Centenas de camponeses participam de assembleia popular no acampamento Tiago dos Santos em Rondônia. Foto: Banco de dados AND. 1x603u
Sem o direito ao contraditório e defesa, camponeses são reintegrados de área pública que, segundo denúncias, é grilada pelo latifundiário “Galo Velho”, em Rondônia. As famílias de camponeses moradoras do Acampamento Tiago dos Santos sofreram despejo ilegal pela Policia Militar (PM) do estado de Rondônia onde sofreram cerco dias antes, tendo sido impedidas de ter alimentos no local.
O covarde despejo ocorreu pela manhã do dia 10 de outubro, enquanto a liminar de reintegração de posse só entrou no sistema ao fim da tarde do dia 9 de outubro. Não houve qualquer chance dos camponeses defenderem legalmente seu direito à terra, e em menos de 12h os cães de guarda do latifúndio já estavam a postos para cumprir o despejo. A gravidade da situação ganhou maiores proporções quando ficou constatado que o conteúdo da ordem judicial não constava no sistema, existindo apenas o horário da movimentação do dito deferimento, às 17h45 do dia 09/10.
Os camponeses denunciam que os militares tomaram dinheiro, bens e documentos, destruíram barracos, roças e criações. Relatam também agressões físicas e morais contra estes, havendo pessoas desaparecidas. Os PMs ironizaram a proposição de missão solidária promovida por apoiadores que consistia em ir até o acampamento para levar leite e outros mantimentos, no mesmo instante em que destruíam a cozinha do acampamento.
Conforme denúncia feita por advogados dos camponeses, os militares obrigaram as pessoas a desocuparem o acampamento apenas com uma sacola de pertences e iniciaram a destruição dos barracos das famílias. Relatam também que os militares reacionários aram também a intimidar, coagir e ameaçar, utilizando-se como argumento, inclusive de vídeo de Bolsonaro, que dizia que a ordem “era matar sem-terra”, para que os presentes apontassem os dirigentes e assumissem algo a fim de incriminá-los.
Restaram apenas poucos registros da ação feitos por pessoas que estavam fora do cerco e só foi possível porque a PM não conseguiu subtraí-los, pois, a maioria dos registros foi destruída para que não aparecessem as arbitrariedades cometidas. O deslocamento em massa das famílias, que deixaram o pouco que tinham para trás, foi feito com caminhões, caminhonetes e depois alguns ônibus. As denúncias afirmam que “o que ficou para trás provavelmente será incendiado e a área deverá ser ocupada por pistoleiros do latifundiário ladrão de terras”.
As centenas de famílias camponesas despejadas foram jogadas numa vila próxima, a Vila da Penha, no distrito de Abunã, e outras deslocaram-se para casas de familiares e amigos. A intervenção dos advogados presentes possibilitou garantir auxílio para os que estavam desassistidos e recolher informações e denúncias.
Por fim, na tarde daquele domingo, helicópteros, veículos oficiais e descaracterizados se encontravam na sede da fazenda no que parecia ser uma festa, regada a muito churrasco, oferecida pelo grileiro pelos “bons serviços” prestados pela PM do fascista governador Marcos Rocha.
As famílias denunciam que a área em que estão é terra pública, grilada pelo latifundiário Antônio Martins, conhecido “Galo Velho”, dono da empresa Leme Empreendimentos Ltda, área que deveria ser destinada à reforma agrária.
Casas e pertences são destruídos por militares em 10 de outubro durante despejo do acampamento Tiago dos Santos, em Rondônia. Foto: Banco de dados AND
DESPEJO REPLETO DE ILEGALIDADES
Conforme observou os advogados do povo que atuaram assessorando os camponeses, nos autos eletrônicos referentes à ação possessória, consta apenas a movimentação “CONCEDIDA A MEDIDA LIMINAR”, datada de 9 de outubro de 2020, sem o documento anexado. Grave questão, sobretudo, em um processo de relevante envergadura social onde o princípio da publicidade deveria ser o balizador, dado o interesse público. A liminar foi concedida em uma sexta-feira, no fim do expediente, para cumprimento no final de semana e impossibilitou qualquer chance de defesa por parte dos camponeses. Não há notícia da intervenção da Defensoria Pública em demanda que deveria atuar como custus vulnerabilis.
Segundo os advogados, as “ações possessórias que envolvem coletividade de pessoas em situação de vulnerabilidade socioeconômica que reivindicam justamente a implementação de políticas públicas voltadas à efetivação da reforma agrária, constitucionalmente prevista, devem observar todo um aparato legal em sua tramitação”. São ações que vão além de mero conflito de interesses individuais, possuindo relevante envergadura social, sobretudo em um país onde a grilagem de terras públicas por latifundiários, a omissão dos governos em relação à retomada de terras que deveriam ser destinadas para políticas de reforma agrária e democratização do o à terra para os camponeses pobres permeia sua história.
Tal ordem de despejo, além de ilegal, é uma verdadeira farsa jurídica, pois somente foi proferida após a efetivação do início do cumprimento da reintegração forçada, revelando ter o único objetivo de dar “legalidade” ao ato criminoso já impetrado pelo velho Estado. Além disso, corre na esfera da justiça federal outro processo que visa cancelar os contratos de alienação de terras públicas do imóvel em questão, ou seja, quer dizer que a dominialidade do imóvel é questionável e não pertence ao fazendeiro grileiro dessas terras que moveu ação de reintegração de posse de terreno que não era seu.
Assim, essa medida, arbitrária e ilegal, foi realizada pelos militares que já estavam na área realizando o despejo no momento da publicação do mandado. Isso demonstra que todos os fatos denunciados pela Comissão Nacional da Liga dos Camponeses Pobres (L) são verdadeiros. Há uma conivência do velho Estado com o grileiro de terras “Galo Velho”, que armou os assassinatos de policiais para possibilitar a reintegração de posse ilegal, na calada da noite.
Tal grileiro se encontra preso por integrar uma organização criminosa que envolve também membros do judiciário, especializada nesta rendosa ocupação de tomar terras públicas e expulsar povos que vivem da terra. Tal terra pública deveria consequentemente ser usada para a Reforma Agrária.
Apoiadores afirmam: “Ao longo de anos, os camponeses aprenderam na luta que a terra só se conquista com mobilização e com o corte popular, exercendo de fato o verdadeiro poder do povo, como sujeitos de sua própria história”. E ainda, “A histeria da imprensa reacionária, seus cães de guarda com ou sem farda, com toga ou não, é a de perceber que se levanta um grande movimento de massas que irá varrer toda essa canalha de latifundiários e a terra será dividida por quem nela vive e trabalha”.
Casas e pertences são destruídos por militares em 10 de outubro durante despejo do acampamento Tiago dos Santos em Rondônia. Foto: Banco de dados AND