Desde o dia 6 de fevereiro, um grupo de mais de 60 quilombolas retomam território histórico localizado no município de Acará, nordeste do Pará (PA), atravessando desde a Vila de Palmares até as margens do rio Acará. Em meio a retomada, a Agropalma bloqueia estradas para impedir a circulação dos quilombolas e, com paramilitares armados, tenta intimidar os quilombolas. m1c6o
O monopólio latifundiário Agropalma S.A, maior produtora de óleo de dendê da América Latina, acusada de grilagem de terra, é também fornecedora de óleo de palma do monopólio suíço, Nestlé S.A.
A retomada do território quilombola
Os quilombolas do nordeste do Pará empreenderam no início de fevereiro a retomada do território histórico de 19 mil hectares onde se localiza as comunidades Nossa Senhora da Batalha e Santo Antônio. No início da década de 80, a comunidade quilombola foi expulsa de suas terras à margem do rio Acará pelo latifúndio. Ali foi estabelecida a Agropalma.
No território quilombola, o latifúndio Agropalma constituiu duas fazendas: Roda de Fogo e Castanheira. Porém, em 2018, o próprio judiciário reconheceu a fraude nos documentos, corroborando com as denúncias dos quilombolas de roubo das terras através da grilagem. O Ministério Público do Estado do Pará (MP-PA) afirmou que “as áreas das fazendas Roda de Fogo e Castanheira teriam sido alienadas com base em documentos falsos emitidos por cartório inexistente e por pessoas sem habilitação para tanto”.
Na área ocupada pelo latifúndio há quatro cemitérios de povos tradicionais, um destes contém cerca de 150 sepulturas identificadas, que comprovam a ocupação dos quilombolas há diversas gerações. Na mesma região vivia ainda o povo indígena Tembé, também expulsos pelo latifúndio.
São cerca de 80 famílias quilombolas que reivindicam o território, a maior parte delas estava alojada na Vila de Palmares. A decisão de retomar as terras veio depois de uma grande jornada de luta e organização.
Em 2015 os quilombolas se organizaram em uma associação – a Associação dos Remanescentes de Quilombos da Comunidade da Balsa, Turiaçu, Gonçalves e Vila Palmares do Vale do Acará – e no ano seguinte entraram com pedido ao Instituto de Terras do Pará (Iterpa) de titulação do território. Contudo, o órgão do velho Estado pouco fez e, após três anos e duas vistorias realizadas, a documentação de titulação foi simplesmente “perdida” pelo Iterpa. Os quilombolas só puderam ter o a elas em dezembro de 2021, depois de um pedido feito pela Defensoria Pública Agrária de Castanhal.
Diante dos episódios na “justiça” do velho Estado, que beneficiou ao latifúndio, a retomada no início de 2022 foi a via definida a ser trilhada pelos quilombolas. Por conta própria, os quilombolas adentraram seus territórios.
Quilombolas retomam território tradicional no nordeste do Pará. Foto: Igor Mota
Quilombolas resistem à cerco
No dia seguinte ao começo da retomada, um bloqueio foi realizado por paramilitares em todas as estradas de o ao território. A Agropalma mandou bloquear as agens e com máquinas de escavadeiras obstruiu a via. Foi utilizado também grande proporções de terras e vários contêineres, além de valas. O latifúndio ordenou também que paramilitares armados permanecessem nos o de entrada ou saída das comunidades quilombolas.
Surpreendidos com o bloqueio realizado pelos paramilitares, os quilombolas registraram a ação em vídeo. Uma quilombola denunciou: “A gente vai sair para rua resolver as coisas esses ‘zé ruelas’ taparam tudo, olha aí, o pessoal da empresa com trator entupiram a estrada de nós quilombolas, olha aqui os buracos, as valas, os tratoreses, olha os guardas lá”. Enquanto gravava o vídeo, a mulher alegou também que os paramilitares estavam filmando os moradores que se encontravam próximos da barreira ou tentando atravessar.
José Joaquim dos Santos Pimenta, presidente da Associação dos Remanescentes de Quilombos e um dos moradores da Vila Palmares, que lidera a retomada do território, em entrevista ao portal Amazônia denunciou que a empresa Agropalma mandou um funcionário e paramilitares da Prosegur tirarem fotos e verificarem documentos e chassis dos veículos dos moradores do quilombo.
A comunidade quilombola também denuncia que a Agropalma realiza uma vigilância ostensiva sobre os moradores utilizando drones e apresenta parte do equipamento que foi encontrado no quilombo como prova desse fato.
Um outro vídeo relata que os paramilitares contratados pela Agropalma alegaram que estariam cumprindo leis, prontamente os quilombolas responderam: “Lei não, ordem!”. A comunidade quilombola argumentou que a ação é ilegal, pois a estrada é liberada pelo Ministério Público (MP), e que aquela área não pertence ao latifúndio.
Diante do bloqueio, os quilombolas criaram rotas alternativas por dentro da mata, levando aproximadamente 8 horas (antes do bloqueio o percurso levava 20 minutos) para chegar na Vila dos Palmares, onde realizam as compras de alimentos e medicamentos como também de consulta médica.
Outros bloqueios executado pela Agropalma
No ano 2000, maquinários pesados da Agropalma entraram no cemitério do Livramento, removendo túmulos e artefatos dos anteados, só pararam depois que os quilombolas os enfrentaram. Após a invasão a empresa então colocou a polícia para rondar o local e impedir a circulação das pessoas da comunidade.
Além de impedir a visita das pessoas aos cemitérios, a Agropalma também impede os quilombolas de pescarem no rio Acará e para isso conta com a repressão da Polícia Militar (PM), que já realizou a prisão de um quilombola com a justificativa de que este estava em “propriedade privada”.
Marques Casara, jornalista e diretor executivo do Instituto Papel Social, agência especializada em investigação de cadeias produtivas, declarou que : “de todas as empresas que atuam na região, a Agropalma é a empresa mais criminosa dessas todas. Ela opera com fraudes, ela opera com suborno e ela opera com contratos desumanos que maquiam o trabalho escravo. Este é o cenário”.