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Na trave. Nunca, no Brasil, o Opus Dei chegou tão perto de investir um dos seus numa alta posição de poder estatal. A nomeação de Alexandre de Moraes para suceder Teori Zavascki no STF, adiou a postulação do presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Ives Gandra Martins Filho, mas ela segue de pé como prioridade da organização à qual jurou obediência perpétua. 5t6r5c

Ives Gandra Martins

Antes que ele complete a idade-limite de indicação (65 anos), em 2025, Celso de Mello, em 2020, e Marco Aurélio, em 2021, atingirão a da aposentadoria compulsória (75). A elevação desse teto (até então, 70 anos), em 2015, para impedir o PT de nomear mais dois ministros se voltou contra a o Opus. Coubessem tais indicações a Temer, nem sua condição de mestre maçom se sobreporia ao lobby que confluiu ao redor de Gandra Filho. A disputa por nacos do Estado é, hoje, quantitativa, não antagônica.

Tradicional detentora de cadeiras no STF para seus setores mais retrógrados, a Igreja Católica não tem representação na corte desde 2012, quando Cezar Peluso se aposentou. Atritos entre o episcopado e a prelazia são ado: hoje, no Brasil, ela é a aposta da cúpula eclesiástica no futuro. Três cardeais pediram a Temer que indicasse Gandra Filho: o do Rio, Orani Tempesta; o de Brasília, Sérgio da Rocha, em nome da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB); e o de São Paulo, Odilo Scherer, que tem como vigário para a Educação e a Universidade – ou seja, as novas gerações, a formação de quadros e o saber – o opusdeísta Carlos Lema Garcia.

Com os pastores Silas Malafaia, Marco Feliciano (assembleias de Deus) e Robson Rodovalho (Confederação dos Conselhos de Pastores do Brasil) e o patriarca mórmon Cláudio Geribello (Conferência Nacional das Igrejas Evangélicas do Brasil), que também fizeram lobby pelo homem do Opus, o denominador comum é a corrosão da laicidade. A defesa da “cooperação” entre Estado e igrejas por Gandra Filho atende às seitas pentecostais em seu negócio mais lucrativo: “comunidades terapêuticas” de lavagem cerebral e exploração de doentes mentais geridas por pastores, que absorvem 80% das internações – muitas por ordem judicial – de usuários de drogas.

O apoio da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) é creditado ao interesse na contrarreforma trabalhista – que poderia, contudo, prescindir de um opositor da contracepção e do divórcio. Esse perfil não é, aliás, tão funcional à maximização da plusvalia. Em 2008, na esteira de considerações de seu atual presidente sobre a “vocação primária” feminina de gerar filhos (a masculina seria “o domínio sobre a terra”), o TST reconheceu o direito das mulheres a 15 minutos de repouso entre o fim da jornada normal e o início da extra. Divergência menor, mas que faz pensar por que a Fiesp quer no STF um reacionário que reconhece como limites à exploração os direitos (e, para ele, deveres) de procriar e ir à missa, podendo optar por liberais e pseudoprogressistas para quem não há limite algum: no próprio TST, 12 ministros julgaram inconstitucional o intervalo por ferir o “direito” das mulheres a trabalhar sem descanso além da jornada legal em igualdade com os homens.

É o poder, não só o dinheiro. Abalada quando o falecido cardeal Paulo Evaristo Arns denunciou os crimes encomendados pela burguesia paulista à Operação Bandeirante, a relação da Fiesp com a arquidiocese se recompõe sob Scherer, tendo como elo Ives Gandra Martins pai, presidente da União dos Juristas Católicos de São Paulo por designação do bispo, conselheiro da Fiesp e, como o vice-presidente da patronal, João Guilherme Ometto, membro do Opus Dei.

A visão social regressiva favorece a transmissão hereditária dos privilégios da burguesia retrógrada: ao dizer que “a escola é extensão da família”, negando o papel do ensino público integral e laico como nivelador sociocultural, Gandra Filho defende, a um só tempo, os interesses do Vaticano e a pior assimetria social brasileira.

“Locupletemo-nos todos”

Antes das demandas do empresariado e das igrejas, a “santa máfia” quer uma cadeira no STF para atender às suas próprias. Num relatório sobre o Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-4, RS), no fim de 2013, Gandra Filho, então corregedor geral da Justiça do Trabalho, escreveu:

 “· Chamou a atenção o fato de que, na Região, há 15 anos não se abria qualquer processo istrativo disciplinar contra magistrados, não obstante o perceptível decréscimo de produtividade dos magistrados da Região, com a elevação de sentenças em atraso.

  • No entanto, recentemente, foram abertos 2 PADs contra a mesma juíza titular (…). Tais processos têm por objeto a apuração de uma série de supostas irregularidades, relativas: a) ao descumprimento de Provimento Regional relativo à distribuição de feitos nas Varas (…); e b) ao informalismo comum à Região, com a adoção de praxes que foram objeto de reclamação dos advogados a este Corregedor-Geral como verificadas em relação a outros magistrados.

– Ora, esta Corregedoria-Geral não tem itido tratamento discriminatório na apuração e apenação de irregularidades na prestação jurisdicional (cfr. Recomendação nº 01/13 da CGJT, art.1º, parágrafo único), orientação que, aparentemente, não tem sido observada na Região.

  • Mas, o que mais chamou a atenção em relação aos dois únicos PADs tramitando na Região foi a condenação prévia da magistrada processada (…).

– (…) Na Região, situações que apresentam aparentemente maior irregularidade, concernentes a atrasos contumazes no sentenciar (…), têm sido toleradas pelo Tribunal, em aparente tratamento não isonômico de magistrados de 1º grau.

  • Tal quadro merece ponderação do Tribunal, para que se apurem responsabilidades em relação a todos os magistrados e não apenas em relação a alguns.

A juíza em questão é Luciane Cardoso Barzotto, hoje na 29ª Vara de Porto Alegre. Suas “praxes”, classificadas por Gandra Filho no mesmo nível do não uso de toga por alguns de seus pares (“informalismo” mais criticado no documento) e menos graves que a demora de outros em sentenciar eram:

1) entregar o certificado digital a uma funcionária que tomava e assinava decisões em nome da juíza;

2) colocar outra funcionária para presidir audiências em seu lugar;

3) elaborar falsas pautas de audiências para simular sobrecarga e obter do tribunal a designação de uma juíza auxiliar;

4) proferir decisões em processos da outra juíza e fraudar registros para vinculá-los a si própria e transferir outros à auxiliar.

Por uma só (delegar decisões judiciais), o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3, SP e MS), com a chancela do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do STF, mantém em disponibilidade, há 11 anos, o juiz Salem Jorge Cury. Já o TRT-4 aplicou a Luciane penas simbólicas de censura (“isso está errado”) pelas três primeiras e advertência (“não faça isso de novo”) pela quarta. A justificativa de Cury para suas faltas era a morte de sua esposa e de seus filhos de 4 e 8 anos num atentado; a de Luciane, o tráfego entre Porto Alegre, onde mora, e Esteio, onde atuava.

Um dos juízes que a julgaram, José Felipe Ledur, questionou se o tribunal efetivaria um magistrado ainda não estável que delegasse audiências. Ninguém (nem ele) quis chegar à consequência lógica de tal raciocínio.

A leniência se estendeu à ghost writer de Luciane, Cleusa Eunice dos Santos Abon Zahr – que, além da participação em ilegalidades cometidas pela juíza, ava tarefas da vara a uma filha que não é servidora pública. Ela só deixou a direção de secretaria (mais alta função na 1ª instância) quando a então presidente do TRT-4, Cleusa Regina Halfen – que conduzira, como corregedora, os processos contra Luciane – a promoveu, em 2015, ao topo da 2ª instância: chefe de gabinete. O servidor que decidia por Cury, Vander de Oliveira, foi demitido pelo TRF-3.

Cury não frequenta as universidades Austral (Argentina) e de La Sabana (Colômbia), ambas do Opus Dei, onde Luciane fez palestras em 2009, 2010 e 2015 defendendo restrições à incidência de tratados internacionais de direitos humanos nas relações de trabalho. Tampouco é casado com Luis Fernando Barzotto, conferencista habitual das mesmas casas, anfitrião de dirigentes da Austral em Porto Alegre e, entre 2009-16, orientador de mestrado e doutorado da irmã de Gandra Filho, Angela Vidal da Silva Martins, na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), onde o aspirante ao STF se doutorou em 2011-14 e Luciane leciona.

A influência das colocações do então corregedor sobre os membros do Órgão Especial do TRT-4 à época, só eles sabem. A escolha dos advogados da juíza indica que, sem elas (ou sem eles), os processos poderiam ter um desfecho proporcional à gravidade dos fatos: Araken de Assis, Ney Fayet e Arruda Alvim cobram honorários à altura de suas reputações e é raro que alguém os contrate por temor a penas simbólicas.

Já o histórico do TRT-4 sugere que Gandra Filho não precisava se preocupar tanto. O caso de Luciane foi adiante por uma contradição interna ao nefando corporativismo da corte: a denunciante, Rozi Engelke – que não tem culpa por ele e agiu com dignidade ímpar – , é juíza, assim como suas testemunhas Aline Stefani Doral Fagundes, Rafael da Silva Marques e Ana Julia Fazenda Nunes. Ainda assim, Claudio Antonio Cassou Barbosa, que tivera Luciane como orientadora de pós-graduação dois anos antes, e Íris Lima de Moraes votaram por adverti-la pela delegação de audiências e absolvê-la dos demais ilícitos. O petista Ricardo Carvalho Fraga, pela absolvição total.

De todo modo, Gandra Filho não poderia trocar a abertura de processos contra juízes que entendia merecê-los por digressões sobre isonomia que remetem ao Barão de Itararé (“Locupletemo-nos todos ou restaure-se a moralidade”), com mal disfarçada preferência pela primeira opção e apresentando como vítima alguém mais favorecida que prejudicada pela opacidade do TRT-4, que ele bem detectou.

Nada a declarar

Em 2010, o monopólio transnacional Bunge, nos estertores de uma execução iniciada em 1999, pagou atuais R$ 300 mil ao advogado do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria da Alimentação de Porto Alegre, José Carlos Rigol Ilha, para quitar, por um quarto do valor calculado pelo perito e penhorado no banco, o que devia a dezenas de empregados. Não se trata de propina em malas ou paraísos fiscais, mas do acordo que Luciane homologou sem reparos à inexistência de condenação a pagar honorários e sem a consulta aos trabalhadores que ela mesma reconhecera necessária um mês antes. Vários deles tentaram rescindir o acerto, mas o TRT-4 o confirmou com elogios de vários de seus membros à atuação da juíza.

Noutro caso, o Ministério Público, sem acusá-la de nada, tentou anular, por suspeita de simulação entre empregador e empregado, um acordo que ela homologara. Arrolada como testemunha, Luciane pediu para não depor e foi atendida pela relatora, Íris Lima de Moraes. Seguida por seus colegas, Íris manteve a avença, apontando como prova de sua lisura o depoimento de Cleusa Eunice sobre a conduta funcional de Luciane – que não estava em causa naquela ação, embora sim nos processos disciplinares em curso à época (setembro de 2013). Processos sobre atos dos quais Cleusa Eunice participou e que Íris e Fraga julgaram meses depois, votando por absolver Luciane. O prejulgamento apontado por Gandra Filho, se houve, não foi contra sua protegida.

Mas a pérola mais reluzente do colar é o caso da autoescola Touring, processada em 1º de abril de 2015 por seus mais de 20 empregados de Porto Alegre, que pediam rescisão indireta (estimada em R$ 750 mil) por falhas nos depósitos do FGTS.

Um mês depois, desistiram, e, após 15 dias, ingressaram – junto a mais um colega, o que atuara como preposto da empresa na primeira ação – com outro igual, que caiu na vara de Luciane (29ª), e não na 16ª, onde correra o anterior e à qual, por lei, cabia.

Na audiência, em julho de 2015, os empregados renunciaram a tudo que a Touring porventura devesse (quitação dos contratos de trabalho) em troca da formação de outra empresa, à qual seria reado o material de trabalho da autoescola e para a qual eles continuariam trabalhando. Sem desembolsar nada, a Touring zerou seu ivo trabalhista no RS e manteve esses bens a salvo de execuções.

Dois advogados experientes que AND ouviu em separado sem informar os nomes da juíza e das partes consideram óbvia a simulação, pelos termos do acordo e por dados secundários, como a presença dos diretores e gerentes entre os empregados demandantes e o pleito coletivo de rescisão num cenário desfavorável à obtenção de emprego sem relatos de atrito pessoal ou atraso de salários.

O determinante para a impressão de fraude, porém, é o uso do processo para que o Detran, por ordem de Luciane, mantivesse o credenciamento que a Touring estava prestes a perder por dívidas fiscais e o reasse à nova empresa – na qual o acordo não veda a participação, direta ou indireta, de seus donos. Sem ele, uma autoescola não pode funcionar.

Nenhum processo pode gerar obrigações para quem não participa dele e não cabe à Justiça do Trabalho intervir no credenciamento de autoescolas, sujeito a requisitos do direito istrativo. Luciane cometeu uma ilegalidade crassa, como reconheceu – desta vez, sem elogios, mas também sem medidas disciplinares – o TRT-4. Notificada para explicar a decisão, ela disse ao relator do mandado de segurança do Detran, André Reverbel, não ter nada a declarar. Seria difícil que tivesse: se a falta de cautela face a uma tão provável encenação é estranha, essa ordem é injustificável.

Seu prestígio junto a Gandra Filho, nesse ínterim, permaneceu intacto: em agosto de 2016, ele a nomeou juíza auxiliar da presidência do TST, função na qual ela permaneceu até outubro.

O conservadorismo do Opus Dei e de seu candidato ao STF em questões privadas não se desdobra em zelo pela res publica ante os graves desvios de conduta de alguém ligada a eles. Pode-se entrever o que acontecerá se a “santa máfia” chega a uma corte cuja credibilidade já se encontra, merecidamente, ao rés do chão.

 

 

 

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