Entre os dias 16 e 17 de setembro, o país parou para assistir cenas de mais uma disputa sangrenta entre traficantes varejistas de drogas pelas bocas de fumo do morro da Rocinha, na zona sul do Rio de Janeiro. Os números do confronto são incertos até o fechamento desta edição. 1u5j32
Marcelo Piu/Agência O Globo
Maria de Fátima, mãe do dançarino DG, exibe foto do filho assasinado por PMs da UPP
Este caso da Rocinha exemplifica como as políticas de guerra do velho Estado não resolveram, mas atiçaram a violência contra as comunidades.
Em 2012, esta que é uma das maiores favelas da América Latina, foi invadida pelo velho Estado com a instalação de mais uma “Unidade de Polícia Pacificadora” (UPP), com o falacioso argumento de “combate ao tráfico de drogas”. No entanto, não alterarou em nada a rotina de conflitos entre quadrilhas e comércio varejista de drogas.
O que se viu, nos quase nove anos desde a instalação da primeira UPP no morro Santa Marta, foi somente a ocupação policial das favelas, o ataque sistemático aos direitos do povo e o incremento das incursões policiais que já vitimou milhares de trabalhadores, gerando assim a revolta dos trabalhadores contra esse Estado policial.
Em 2013, o morro desceu para o asfalto e tomou as ruas da zona sul da cidade após o desaparecimento do operário da construção Amarildo de Souza. Após três meses de investigação, concluiu-se o que todos na Rocinha já sabiam: Amarildo foi abordado por policiais, levado para a sede da UPP, onde foi torturado até a morte. Até hoje, o corpo do trabalhador não foi encontrado.
A mesma rotina de terror incrementada pela UPP no Morro da Rocinha se reproduz em todas as favelas ocupadas pelo velho Estado, seja nos bairros nobres da zona sul ou nas periferias do subúrbio carioca.
Revolta na zona sul
Também na zona sul do Rio, em abril de 2014, PMs das UPPs dos morros Cantagalo e Pavão-Pavãozinho executaram o jovem dançarino Douglas Rafael da Silva Pereira, de 27 anos, conhecido como DG. Logo após o assassinato do rapaz, moradores desceram o morro e, durante dias, ocuparam as ruas de Copacabana para protestar.
Após o enterro de DG, os moradores do Cantagalo e Pavão-Pavãozinho fizeram uma manifestação que foi duramente reprimida pela PM com bombas e tiros de bala de borracha.
À época, a líder comunitária do Cantagalo, Deize Carvalho, relatou a justa revolta popular:
— Eu nunca tinha visto a comunidade dessa forma nos meus 43 anos. Eu vi a dor e a revolta nos olhos das pessoas, principalmente das crianças. Um policial chegou a dizer que se entrassem no caminho dele, ele atiraria para matar, não importando se fosse adulto ou criança, que se as crianças podiam jogar pedra, podiam tomar um tiro também. As crianças então começaram a jogar pedra na polícia.
— Foi um crime que chocou o país, mas as pessoas não viram como a favela ficou depois, em estado de sítio, com policiais agredindo, humilhando as pessoas, como se nós fossemos culpados pela besteira que eles fizeram. Não foi a primeira, nem a última. Depois do DG, vários outros jovens perderam a vida aqui — finalizou Deize, que em 2009 teve seu filho espancado até a morte por agentes penitenciários em uma das carceragens do Departamento Geral de Ações Socioeducativas (Degase).
Mais protestos na zona norte
Ônibus é incendiado após o assassinato de Dona Dalva
Na zona norte da cidade, a situação é a mesma. Desde que foi ocupado por tropas do Exército, da Marinha e da Polícia Militar em 2010, o Complexo do Alemão empilhou centenas de corpos de moradores assassinados, muitas deles executados sumariamente por agentes da repressão.
Neste ano é possível contar nos dedos a quantidade de dias em que moradores não foram assolados por tiroteios. A maioria dos casos fica nas sombras por desinteresse do monopólio dos meios de comunicação. Contudo, não foram poucas as vezes em que moradores enfrentaram a repressão e tomaram as ruas, parando a região e denunciando a barbárie instalada pela UPP no Complexo do Alemão.
Em abril de 2014, moradores bloquearam as principais ruas de o ao Alemão e incendiaram oito ônibus após o assassinato da aposentada Arlinda Bezerra das Chagas, de 72 anos, morta pela polícia com um tiro nas costas na frente do seu neto de dez anos.
No protesto, policiais disparam tiros de munição letal contra manifestantes, atingindo fatalmente o estoquista Carlos Alberto de Souza Marcolino, de 21 anos. Exatamente três anos depois, no dia 21 de abril deste ano, policiais da UPP assam duas pessoas em um único dia e moradores, mais uma vez, tomaram as ruas. Foram mortos, na ocasião, o jovem Gustavo Silva, de 17 anos, que abria às 6h a padaria onde trabalhava; e o soldado do exército, Bruno de Souza, de 24 anos, que estava de folga em casa com sua família.
— Vocês [policiais] representam o que existe de pior no Complexo do Alemão. As casas de muitas pessoas estão destruídas, várias outras pessoas estão sendo mortas e, quando um de vocês morre, o Estado dobra a farda, manda para a família e não paga nem o enterro. Vocês trabalham em contêineres sem nenhuma estrutura, são tratados dessa forma pelo Estado, ficam meses sem receber e, mesmo assim, se sujeitam a fazer esse trabalho sujo na nossa favela — disse à época o líder comunitário e integrante do Coletivo Papo Reto, Raull Santiago.
Nos últimos meses, o jornal A Nova Democracia divulgou notícias semelhantes de casos de violência do Estado contra o povo no Jacarezinho e em Manguinhos. Toda semana, uma das áreas ocupadas é a bola da vez da política de extermínio deste velho Estado no Rio de Janeiro.
Velho Estado impõe terror
Em abril de 2013, policiais da UPP do Jacarezinho assam o jovem Alielson Nogueira, de 21 anos, enquanto ele comia um cachorro-quente. Moradores tentaram impedir que os PMs alterassem a cena do crime e foram atacados com bombas e tiros de fuzil. Mas a população não se intimidou e respondeu com paus, pedras e garrafas.
Na ocasião, a equipe de AND cobriu com exclusividade a rebelião das massas no Jacarezinho e as imagens produzidas ganharam os noticiários do Brasil e do mundo.
Quatro anos depois, moradores do Jacarezinho seguem sendo covardemente atacados pela ação covarde e criminosa das tropas do velho Estado. Somente na recente ação das polícias Civil e Militar com o apoio do Exército, oito pessoas foram mortas em dez dias seguidos de operações, conforme denunciado na matéria Forças Armadas e polícias impõem terror contra o povo no Jacarezinho, que ocupou as páginas centrais da edição 195 de AND.
São mulheres, idosos e crianças assassinadas pelas ditas “balas perdidas”, que têm sempre um endereço certo: pessoas pobres e do povo. Nesses nove anos de política de genocídio sistematizada, está cada vez mais claro para os moradores dessas áreas ocupadas que somente a luta e a rebelião das massas será capaz de frear o genocídio do povo pobre, negro e favelado e o avanço dessa guerra civil reacionária movida e estimulada pelas classes dominantes e seus gerenciamentos de turno.