Pacote tecnológico mina a produção nacional 5k1a1c

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Pacote tecnológico mina a produção nacional 5k1a1c

Dr. Bautista Vidal, é professor de termodinâmica, cientista entusiasta da aplicação da biomassa e idealizador do Proálcool. Autor de vários livros que rechaçam a alienação energética da cultura brasileira. 6rm5t

A NOVA DEMOCRACIA — Dr. Bautista Vidal, o senhor está concluindo um livro (Dialética dos trópicos) que vai abrir uma polêmica, no sentido em que contestará as teses da CEPAL. Quais são estes questionamentos?

BAUTISTA VIDAL — Estou mexendo em algo que foi quase uma questão sagrada da esquerda, que era o êxito do processo de substituição de importações. Importávamos produtos que deixaram de ser importados e aram a ser fabricados no Brasil, criando certo número de empregos. Aparentemente era uma coisa positiva, entretanto, visto a posteriori, era um projeto suicida que há cinqüenta anos está inviabilizando o nosso desenvolvimento e nos condiciona a uma posição de colônia absolutamente subordinada, sem alternativa. Então, é uma coisa gravíssima.

A raiz disso é que as cabeças que orientaram esse movimento da Cepal vinham da área das teorias econômicas, que trabalham apenas com moeda, e dos sociólogos do tipo de Fernando Henrique, que também trabalham pendurados nas idéias econômicas, sem entrar nas questões de profundidade, que argumentam um processo de transformação e, portanto, produtivo. Uma coisa que é chave na compreensão dessa nova visão, que dá essa conotação suicida, é a questão tecnológica. Ela é muito mal conhecida na sua natureza.

Fala-se em tecnologia como se fosse um ente abstrato, vindo de nações superpreparadas etc., quando não é nada disso: o pacote tecnológico é uma agregação das opções de fatores de produção que qualquer um pode fazer, basta ter uma estrutura adequada para envolver uma massa de opções, por exemplo, um fusquinha que é ciência do século 19, tem vinte e sete mil itens técnicos. A agregação destes que constituem o pacote, e que cada um deles é uma opção de natureza política, ou seja, a matéria prima que eu uso, qual é a forma energética e a forma de produção que eu uso, tudo isso está no pacote, são opções de uma natureza estratégia e política, tomadas nos pacote tecnológicos. Um Boeing 747, por exemplo, tem 13 milhões de opções. Imagine que massa de decisões políticas estratégicas!

Na realidade, cada um destes pacotes e iniciativas são fantásticos Cavalo de Tróia, trazendo as decisões estruturais da estrutura produtiva como um todo. Eu me assustei com a facilidade com que o neoliberalismo entrou na América Latina, porque já estava tudo preparado, sob o domínio das corporações dos países hegemônicos, por causa dos pacotes tecnológicos elaborados na doutrina da Cepal. Pelo fato de eu haver dirigido durante oito anos a Secretaria de Tecnologia Industrial, à qual estava subordinado o Instituto Nacional da Propriedade Industrial, e como todos os pacotes tecnológicos tinham que ser averbados pelo INPI, tive o a esse universo. Fui um dos poucos brasileiros que teve esse o e, claro, a minha visão não é de que a tecnologia é um ente dos povos avançados, para mim tecnologia é uma estrutura de poder, de controle absoluto de quem elabora os pacotes, então é uma visão completamente diferente.

AND — No caso desses processos, geralmente, existem os tolos e os mal intencionados. Então, no Brasil, quais seriam os tolos e os mal intencionados?

Dialética dos Trópicos é um livro em que levei muito tempo meditando e tomando coragem para me atrever a escrever, porque essa base da Escola da Cepal foi levantada pelo lado que se considerava de esquerda, que está mais vinculado aos interesses do povo brasileiro, quando na realidade as teses cepalinas eram tremendamente danosas ao Brasil. Acredito que foi por despreparo e não acredito que o Celso Furtado tivesse atuado nisso com dolo — pois é um economista, que trabalha com moeda. A Maria da Conceição se apavora quando você mostra para ela que essa moeda é uma farsa, é uma fraude. Ela se apavora porque falta a ela o escopo de pensamento. Já o pessoal que trabalha com a natureza e com a energia vê isso com toda clareza.

Na verdade, houve certa fraude cultural, na qual uma certa linha de profissionais colaborou, não com más intenções. Agora, claro, neste contexto tem uns mal-intencionados: aqueles que fazem parte das razões primeiras que levaram a imposição ao nosso país desse modelo absurdo. Reparem que este modelo está no âmago do livro do Fernando Henrique Cardoso sobre a dependência na América Latina e que, ao contrário do que se pretendia dizer, ele está executando tudo que disse no livro. É um modelo de dependência, só que ele é muito ardiloso. Ele diz que o Brasil pode crescer sob a dependência do seu competidor, — veja que estupidez! —, em todas as partes fundamentais da produção: no caso a tecnologia, a energia e as matérias primas. Ele não tem competência para entrar na análise destas questões, ele nem analisa o pacote tecnológico, não existe no livro questão energética. Aí menos ainda, ele não tem competência para analisar isto.

Estamos fazendo um papel de idiotas e ele de um mal-intencionado. Ele é executor e já na época em que escreveu (acredito que sim porque tem ligações, embora ele não tenha um preparo para bolar estas coisas, mas foi levado e os objetivos são claros) envolveu gente de certo calibre ético que não acredito que estivesse mal intencionada.

Eu cito especificamente o Celso Furtado, cuja grande vaidade lhe dificulta ser suficientemente humilde para rever a história e fazer sua autocrítica. Eu acho que este é o pecado dele, se dolo, no meu entender. Agora, é a tal história: a verdade é o único compromisso que o intelectual tem, por mais que isso possa inicialmente criar uma reação negativa, mas é fundamental, senão nunca sairemos do buraco.

AND — A nação foi a grande vítima e tomou um imenso prejuízo. Quais, entretanto, os setores internos que lucraram com esse padrão, com esses modelos e pacotes tecnológicos?

BAUTISTA – Houve um período em que muita gente ganhou dinheiro com processos de substituição de importações: capitalistas nacionais, exportadores que tinham pecúlio acumulado e que usaram os pacotes tecnológicos dentro do modelo da Cepal. Ganharam muito dinheiro e ampliaram suas indústrias. Mas, essa gente já pagou seu preço, toda ela foi praticamente exterminada, como não podia deixar de ser, principalmente, quando veio o neoliberalismo. O neoliberalismo veio já de uma estrutura que era totalmente controlada de fora do país, aonde os fatores de produção nacional não pesavam, as vantagens relativas e comparativas não estavam na estrutura produtiva porque quem elaborava os pacotes não garantia as vantagens relativas aos nosso fatores, dava garantia aos dele.

AND — Mas quem respaldava os pacotes internamente, quais os setores que casavam os interesses?

BAUTISTA — Essa tirania da tecnocracia da área financeira. Nós estamos vivendo uma tirania financeira que vem de longe, que começou antes de 1964, mas que o Roberto Campos implantou e que, até hoje, ninguém tirou essa turma dos tecnocratas financeiros formados em Harvard, Enver etc. Foi num crescendo, embora , em uma fase anterior esse modelo dependente, por causa do desenvolvimentismo, da substituição de importações, era encarado como uma coisa positiva porque deixava de importar os produtos e se produzia aqui. Surgiram a indústria automobilística e a eletrônica, todas elas com essa característica. Essas corporações vieram primeiro como montadoras e toda produção de componentes era da indústria de capital nacional. Mas, isso já é coisa do ado. A empresa de capital nacional, que participou do processo, foi excluída porque não tinha condição de sobreviver no processo competitivo, dependia completamente dos pacotes tecnológicos que eram comandados pelas montadoras e corporações estrangeiras.

AND — Nós poderíamos afirmar, com base nesta constatação, que haveria um retorno daqueles segmentos que no ado viviam de exportações e importações, chamados de burguesia compradora?

BAUTISTA — Na realidade, com o desaparecimento da empresa de capital nacional a própria motivação de um mercado interno mais forte (que por exemplo, o Severo Gomes defendia) de uma burguesia nacional verdadeira, autóctone. Aquilo é coisa do ado. Hoje, não existe esta perspectiva porque a empresa de capital nacional desapareceu, a perspectiva de uma elaboração de pacotes favorecendo as vantagens comparativas brasileiras não existe, porque o pacote vem de fora. Então, hoje, você tem uma internacionalização da economia brasileira e, claro, com condições extremamente desvantajosas tanto na área financeira, com juros absurdamente mais altos do que pagam os ses, os alemães, os japoneses etc., como também o absoluto descontrole sobre a natureza dos pacotes, sobre as opções de fatores de produção. Então, o inimigo tem todo poder de decisão, por isso nós somos uma economia totalmente vulnerável.

AND — A matriz energética do petróleo no caso do transporte de massa e do transporte de carga definiu o padrão do transporte rodoviário no Brasil?

BAUTISTA — A vinda da indústria automobilística para o Brasil praticamente freou de uma maneira violentíssima o desenvolvimento ferroviário, que era importante na fase anterior. Houve uma estagnação completa. E o marítimo, nem se fala: a navegação de cabotagem foi destruída. Só tínhamos uma única empresa, que foi destruída e foi desmontada. Agora, no caso específico energético, o caso é até mais grave porque a opção do petróleo é a única opção das nações hegemônicas, enquanto as regiões tropicais têm a opção dos combustíveis limpos e renováveis, que é a grande solução do futuro e que poderia nos transformar. Se fôssemos uma nação independente, seríamos a maior potência energética do planeta. Mas, com esses pacotes controlados de fora, jamais essa opção que é tipicamente de um continente tropical, será adotada. Foi por isso que o programa do álcool foi destruído, apesar dele ter surgido como um sucesso mundial e de que não vai haver alternativa. A grande preocupação que vivemos hoje é que, se nós não levarmos avante esse projeto para resolver o problema do ocaso dos combustíveis fósseis, outros virão e nos esmagarão, e montarão aqui as plantations, e coisas dessa natureza, para transformar o que é patrimônio da natureza tropical brasileira no controle das nações hegemônicas, no processo de estoque.

AND — O que representaria a implantação de uma indústria alcoolquímica no nosso país?

BAUTISTA — As duas matérias químicas básicas da petroquímica são o aldeído acético e o eteno, dois compostos químicos de duas moléculas de carbono. Na petroquímica é preciso pegar as cadeias de hidrocarbornetos dos diferentes tipos, já que não existe o ente petróleo e sim, milhares de tipos de petróleo, aquelas cadeias enormes, e fazer o craqueamento, quebrando aquelas cadeias até chegar à molécula de dois átomos de carbono para produzir o aldeído acético e o eteno, que representam a matéria prima básica de 80% dos produtos petroquímicos. Isso é feito nas centrais petroquímicas. Muito bem, o etanol que é o combustível, tem precisamente dois átomos de carbono, quer dizer, poderia se chegar ao aldeído acético e ao eteno com menos de 10% dos investimentos necessários a uma central que obtivesse o eteno a partir dos derivados do petróleo da nafta ou coisa deste tipo.

AND — E do ponto de vista das oleaginosas, elas são capazes de desenvolver uma indústria química também?

BAUTISTA — Também quanto às oleaginosas, existe numa variedade enorme e de altíssima produtividade. Em primeiro lugar, elas substituem o óleo diesel nos motores ciclo diesel, que são mais eficientes do que os do ciclo Oto, que usam a gasolina. O etanol, o álcool substitui a gasolina, mas o que substitui o óleo diesel não é o etanol, o que pode manter os motores ciclo diesel são óleos vegetais, extraído das oleaginosas a que você se referiu: o dendê, a mamona, o girassol, a soja.

É um espectro imenso numa riqueza extraordinária. Só de dendê da região da Amazônia apta, levantada pela Embrapa, nós podemos produzir oito milhões de barris por dia de óleo de excepcional qualidade para substituir o óleo diesel do petróleo. Oito milhões de barris de petróleo é a produção da Arábia Saudita, só que dentro de dez anos a Arábia Saudita vai produzir muito menos do que produz hoje, porque as reservas estão depauperadas, já que o petróleo é um ente não renovável. Já o dendê é só replantar. Você planta e cultiva o dendê e em quatro anos ele começa a produzir, a quarenta anos produzindo, depois se renova, ou seja, à medida que se desenvolva as técnicas agrícolas vai aumentar a produtividade. A produtividade hoje já é excepcional. Só que as grandes corporações de petróleo intervieram no governo brasileiro e não permitiram a grande continuidade do Programa Nacional do Álcool.

AND — Como o senhor vê as ações das Ongs, no nosso país e na área científica?

BAUTISTA — Na realidade, essas Ongs vieram com o objetivo ideológico muito claro. Elas são controladas por interesses mercantis estrangeiros e estão tendo essa pretensão de substituir o Estado nacional, em processo decadente porque está sendo submetido a estas políticas neoliberais, coisa gravíssima. Até as grandes reservas minerais do planeta, que estavam sob a guarda da Vale do Rio Doce, já não estão mais sob o controle do Estado brasileiro. Temos a internacionalização das hidrelétricas, por conseqüência, internacionalização da água, além das patentes para transferir o patrimônio genético para controles externos e toda a dinâmica. Surgem as Ongs como as salvadoras da pátria para substituir o Estado nacional, quando elas são agentes mercantis de interesses externos, contrários aos interesses do povo brasileiro, da nação brasileira. Essa é uma categoria que nós temos que rever profundamente. Como sempre as coisas perversas vêm como uma face muito positiva de defender a ecologia, etc., quando no fundo, possuem a semente da destruição. Eu vejo essas Ongs com enorme preocupação, infelizmente ainda não há uma consciência clara do papel que elas estão desempenhando na sociedade brasileira atual.

AND — Como o senhor vê essa crescente penetração do misticismo e do anticientificismo do USA quanto ao surgimento da natureza e do homem?

BAUTISTA — Esse é outro aspecto terrível da era que nós estamos vivendo. Nós estamos num processo de decadência tão acentuada, que essas coisas estão proliferando com enorme ênfase e com grande perigo. Na hora que a ciência a a ser considerada como uma coisa hipotética, que é posta em dúvida, na hora que o conhecimento humano é relegado e começam a aparecer essas derivações perigosas, nós estamos sob a evidência de um processo de degradação. Isso eu só posso ver com grande preocupação. Também, essas questões pós- modernas, já no outro ângulo, têm também a mesma conotação, de pôr em dúvida tudo como se o homem não tivesse milênios de existência, de experiências sofridas e que aprendeu alguma coisa nesse longo período histórico.

AND — A questão da Independência é colocada muitas vezes em termos de suspender o pagamento da dívida externa ou fazer moratória. Não abordam a questão tecnológica.

BAUTISTA — Como se pode discutir a questão econômica sem incluir a questão energética, a questão tecnológica, as questões dos recursos naturais? Colocada desta forma, a questão é exclusivamente financeira porque o financeiro é montado artificialmente e maliciosamente pela oligarquia financeira mundial. A moeda é uma abstração, ela só pode operar se representar a verdadeira riqueza e a verdadeira riqueza está no solo, na água e na energia e não na manipulação da moeda. Sendo assim, todas as terminologias usadas, só abordam o aspecto financeiro, então o mundo se restringiu a trabalhar no campo dos bandidos que é exclusivamente financeiro. Com essa visão as pessoas ficam perdidas, com a televisão ando um tempo enorme, todos os dias, falando da jogatina das bolsas. Isso atinge um número extremamente pequeno de pessoas e é jogatina feia, é bandidagem. É claro que certas condições têm até um papel positivo, mas não têm nada a ver com a realidade. O mercado, de repente, adquire um aspecto humanizado e fica nervoso. É claro que quando os bandidos são prejudicados, quando as bolsas estão prejudicadas, o mercado está nervoso. É ótimo, tomara que ele morra! A grande mudança: voltar ao concreto.

O mundo concreto é o mundo concreto, o homem vive da terra, da água, da energia, do trabalho, do seu comportamento e não de uma falsa simbologia monetária criada pelo grupo de bandidos que está se aproveitando da miséria da humanidade. Então, essa volta ao mundo concreto é uma coisa absolutamente essencial e, claro, como no mundo concreto nós somos a grande nação do mundo, que tem soluções para as questões energéticas, para as questões minerais, para as questões da água, nós vamos virar uma importantíssima nação no contexto mundial. Porém, com essa eliminação do mundo concreto, essa exclusão da energia, da tecnologia, das matérias primas, da água, do solo, da terra, de tudo isso, nós viramos uma nação de miseráveis montados em território riquíssimo.

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