Pouco antes da realização do VI Congresso do MST, realizado em meados de fevereiro em Brasília, o dirigente João Pedro Stédile, de maneira arrogante, fez coro com a reação capitaneada pela rede Globo contra a juventude combatente brasileira, atacando as recentes manifestações e defendendo a realização da Copa da Fifa. Ele desqualificou os milhões que se rebelaram em todo o país (com mais intensidade nas ruas do Rio) e asseverou que seria um erro político manifestar durante a Copa, e blá, blá, blá, e, completando a sua “aula” do que deve ser um movimento de protesto, comparando a Copa com o carnaval, questionou: “alguém vai marcar mobilização durante o carnaval”? 6y5t4i
Pois é, os trabalhadores da Comlurb no Rio de Janeiro marcaram, ganharam a população do Rio de Janeiro, desmoralizaram a diretoria pelega do sindicato e conquistaram 37% de aumento. Mas o que queremos tratar aqui vai muito além…
Suas últimas declarações não são contraditórias com a consigna do VI Congresso do MST (“Lutar e construir uma reforma agrária popular!”)?
São, mas não é difícil entender o contexto em que foram dadas (é sempre este argumento manhoso que este senhor maneja quando precisa desmentir ou ajustar posições). Diante da histérica campanha da reação para conter os protestos da juventude, desatada a partir da morte do cinegrafista Santiago Andrade, Dilma enquadrou seus aliados de “esquerda” para que se pronunciassem contra as manifestações e a favor biliardária Copa e assim o fizeram PT, PCdoB e MST, sabe-se lá a troco de que.
A contradição entre as declarações de Stédile e a palavra de ordem do VI Congresso do MST por si só já colocaria um ponto de interrogação nas intenções do movimento, pelo que devemos avançar na análise.
Em primeiro lugar vamos ao que disseram, em diversas entrevistas, representantes da organização sobre a questão da luta pela terra. Os mais cuidadosos, como o dirigente Alexandre Conceição, em entrevista para Najla os da Carta Maior, publicada com o título “MST quer recolocar a luta pela terra na agenda”, afirmou que “a questão da luta pela terra hoje está fora da pauta da sociedade e do governo… Portanto, a luta pela terra está despolitizada. Ela tem acontecido, seja a luta dos indígenas, dos quilombolas, dos pescadores, a nossa luta. Mas está escondida, abafada”. Outros, menos avisados, respondiam quando entrevistados que era preciso retomar a luta pela terra.
Não, a luta pela terra não está “fora da pauta” ou da agenda do “governo”. E como poderia estar se mais de 60% das exportações são de monoculturas ou riquezas naturais? A luta dos camponeses sem terra ou com pouca terra, assim como a dos indígenas, quilombolas, pescadores, etc., está na agenda do governo para ser criminalizada, reprimida e desmoralizada.
A luta dos camponeses contra o latifúndio e pela terra é uma ameaça real para esta gerência de turno oportunista, que aprofundou a herança maldita de suas antecessoras, que desnacionalizaram, desindustrializaram e retornaram a economia nacional para as clássicas condições da produção de bens primários para exportação.
Os pífios e imorais dados de Dilma sobre assentamento de famílias no “Programa de Reforma Agrária do governo” em sua gestão, comparados de maneira capciosa pelo MST aos números falsos e inflados da gerência Lula (ambos conseguem ser piores do que os do próprio FHC), são inversamente proporcionais ao investimento na repressão aos camponeses em luta, somado aos bilhões de reais doados ao agronegócio.
A gerência Dilma é responsável, dando continuidade à política criminosa de Lula da “Operação Paz no campo”, por incrementar a repressão criando uma tropa de choque especial da Polícia Federal para reprimir camponeses. Isto além de utilizar cada vez com mais frequência a Força Nacional nos conflitos agrários. A situação é tão grave, que em muitos casos os camponeses em luta pela terra se recusam a debater com es regionais do INCRA e exigem a presença do Ouvidor Agrário Nacional Gercino José. Este ouvidor dos latifundiários, de gestor desta falida reforma agrária, ou ao infame papel de comandar a repressão contra o movimento camponês combativo. Pois que, quase de maneira absoluta, os camponeses só são “ouvidos” quando as operações policiais de reintegração de posse já estão aprovadas, planejadas e pagas.
E se a estas constatações agregamos os dados da T sobre o número de assassinatos de camponeses, indígenas e quilombolas em luta pela terra, o grande número de conflitos, de reintegrações de posse, de prisões, e também o ínfimo número de pistoleiros e policiais punidos por assem camponeses ou participarem de ataques paramilitares em conflitos agrários, poderemos concluir, sem medo de exagerar, que a guerra não declarada movida pelo velho Estado ou a aberta e declarada. Guerra aos camponeses pobres e médios, indígenas, quilombolas e pescadores, em sua luta contra o latifúndio e o próprio Estado (como nas obras recentes das grandes hidrelétricas); guerra à luta pela terra, por território e autodeterminação. Não, definitivamente a luta pela terra não está como nunca esteve fora da pauta do “governo”.
Quanto aos que explicavam a bandeira do Congresso como “retomar a luta pela terra”, nós acreditamos que, pela simplicidade e falta de maldade, acabaram revelando a contradição entre a direção e as bases do MST. As bases do MST querem lutar e as massas camponesas e indígenas têm resistido aos ataques do Estado e do latifúndio cada vez com mais intensidade e consciência. Foram dezenas de fechamentos de estradas, ocupações de prédios públicos e sedes de INCRAs regionais com rostos tampados, resistência às reintegrações de posse, ocupação de canteiros de obras; foram dezenas de lutas de resistência em que organizações distintas e com concepções diferentes se somaram: caciques representantes dos povos indígenas, CIMI, Sindicatos de Trabalhadores Rurais, Ligas de Camponeses Pobres, Federações, T, organizações quilombolas; e ainda que combatidas pela direção do MST, as tomadas de terras e o “corte popular” (termo utilizado pelas Ls quando a terra tomada é dividida entre os camponeses) são o carro chefe da luta contra o latifúndio e empolgam o campesinato em geral.
Como “retomar a luta pela terra”? E os acontecimentos de Rio Pardo, em Rondônia, onde massas camponesas e pequenos comerciantes reagiram e durante o confronto um policial da Força Nacional morreu por trapalhadas da tropa e como sempre um trabalhador foi incriminado? E a resistência dos tupinambás na Bahia, enfrentando uma campanha insidiosa de desmoralização dos indígenas e criminalização do cacique Babau, levada a cabo pelo governador Jacques Wagner (PT), e também a tentativa destes fascistas de utilizar os pequenos produtores contra os indígenas para no fundo beneficiar latifundiários? E a luta da L do Norte de Minas para tomar a fazenda Beirada, da qual famílias foram expulsas por bando de pistoleiros armados com a cobertura da PM de Manga?
Claro está que em descomo com a realidade das massas camponesas está a direção do MST, e que as bases desta organização, quando clamam “retomar” a luta, estão cobrando da própria direção. Talvez por isto a primeira palavra da consigna do “VI Congresso” seja “lutar”. Talvez já poderíamos tirar algumas conclusões, mas tem mais…
E se pretendemos nos esforçar para identificar com mais rigor o nível de contradição que se manifesta entre a direção nacional do MST e suas bases, vamos agora direto ao fato que mais evidencia esta situação, a manifestação que precedeu a audiência com a “Presidenta”. Certamente o roteiro já estava pronto. Grande manifestação, atender a cobrança de luta das bases, contrapor às manifestações da juventude combatente uma manifestação de um “movimento social” com “propostas”, garantir que a reunião com a “Presidenta” fosse aparentemente resultado de uma luta e não de um conchavo e, “de quebra”, se posicionar, na luta interna no PT, entre os que defendem a volta de Lula na próxima eleição. Tudo certo, inclusive com a polícia, que não precisaria estar preparada para o confronto e sim para garantir o surrado blá-blá-blá da “proteção aos manifestantes”. Mas o roteiro da pantomima teria que ser cumprido “no braço”, pois certamente resultaria em vaias e protestos se levado à barra pública. E eis que as bases do MST, ainda que minimamente, ultraando os limites acertados entre sua direção e o “governo”, são acossadas pela polícia, e reagem com o ódio que lhes são de direito. Pronto, acabou o roteiro.
Quase todas as notícias deram conta de 32 feridos, dois camponeses e 30 policiais, a grande maioria destes atingidos por objetos jogados (pedras e mastros de bandeiras), o que demonstra que os policiais cumpriram o roteiro, não foram acompanhar a eata para reprimir. E olha que alguns dirigentes ainda tentaram, microfone na mão, usar os camponeses em sua pugna contra o STF, não pela natureza espúria que este órgão de fato tem, mas para desagravar José Genoíno e José Dirceu, condenados na “ação penal 470”.
Mas a encenação foi por água abaixo. O Ministro Gilberto Carvalho, dias antes usara do palanque do VI Congresso do MST para atacar a juventude combatente, e também defender que os reclames do MST eram justos, pois que não era um movimento “chapa branca”. Mais ainda, atacou o “despreparo da polícia”, a quem culpou por “estragar a festa”. A cara de poucos amigos da “Presidenta” em todas as fotos que divulgaram a reunião é prova inequívoca do desconforto causado pelos manifestantes que romperam o cabresto dessa canhestra encenação. E certamente, bastante irada, a “Presidenta” deve ter escalado Gilberto Carvalho para explicar e defender que estatais e bancos do governo tenham financiado com mais de um milhão de reais esta malograda operação, que seria ao mesmo tempo uma atividade de campanha eleitoral e uma tentativa de impedir que as contradições dentro do MST resultem em implosão do movimento e consequente fortalecimento de posições as quais a gerência petista tenta evitar enfrentar em meio a um país convulsionado, uma Copa do Mundo, eleições, recessão…
Da nossa parte, fica a torcida para que as combativas massas camponesas que enfrentam o latifúndio sob a direção do MST façam prevalecer, na consigna do VI Congresso, a palavra “lutar”, e se somem aos indígenas, quilombolas e camponeses que heroicamente lutam pela terra e resistem aos covardes ataques do latifúndio e do Estado brasileiro sob a gerência Lula/Dilma. E pretendemos contribuir nesta luta, nas próximas edições, abordando questões que foram levantadas neste VI Congresso do MST e que merecem ser debatidas.