Entrevistamos o cacique indígena do povo Tuxá, Hakcê Tuxá Kanãnahá, durante a realização do VI Colóquio Internacional Povos e Comunidades Tradicionais, ocorrido entre os últimos dias 24/09 a 27/09 na Unimontes – Universidade Estadual de Montes Claros. 6b4w5x
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VI Colóquio Internacional Povos e Comunidades Tradicionais, Montes Claros (MG), setembro de 2019
Por favor, se apresente e fale um pouco sobre a história de seu povo:
Sou Hakcê Tuxá Kanãnahá, eu sou um dos caciques do povo Tuxá da Bahia, município de Rodelas, é um município que fica às margens do rio São Francisco. E o povo Tuxá é um povo originário daquela região, vive naquelas terras há muitos anos. Tanto que o nome da cidade de Rodelas é uma homenagem a um líder indígena que chama Francisco Rodelas, que se destacou na luta pela expulsão dos holandeses da colônia portuguesa. Sempre fomos um povo autônomo, nosso território era composto por ilhas, tínhamos trinta e seis ilhas, mas tínhamos posse apenas de uma que se chamava “ilha da Viúva”. Era uma ilha de terras muito férteis, tudo que se plantava conseguia colher bem. Mas o povo Tuxá sofreu um grande impacto na década de 1980 com a barragem Itaparica da Usina Hidrelétrica Luiz Gonzaga, que atingiu vários municípios tanto da Bahia quanto de Pernambuco e atingiu também o povo Tuxá, porque inundou a nossa ilha e hoje nós estamos há trinta e um anos sem terra. Um povo que era autônomo, que vivia do que produzia e hoje é um povo sem terra. O primeiro impacto que o povo Tuxá sofreu nesse processo foi em 1986, quando metade do povo Tuxá foi tirado do município de Rodelas e foi levado para a cidade de Ibotirama, no oeste da Bahia, há cerca de mil quilômetros de distância. Nós que ficamos em Rodelas tivemos de sair em março de 1988. As comportas foram fechadas, o nível da água começou a subir e aí todo mundo teve de sair.
O projeto de transposição causou impacto sobre muitas comunidades tradicionais de agricultores, e um problema grave que abrange a todos é a questão da extração de um grande volume de água. A bacia do rio São Francisco já vem sofrendo há muitos anos com a degradação e isso tem reduzido o volume das águas, você vê que a barragem aqui de Três Marias (região central de Minas Gerais) quase secou, a barragem de Sobradinho, que é um reservatório controlador do volume de água, também chegou ao volume morto e o cenário hídrico hoje na bacia do São Francisco é um cenário crítico.
Fale-nos sobre a discriminação que o seu povo, em particular, sofre.
A sociedade foi educada, com relação aos povos indígenas, a enxergar o índio padronizado. Um estereótipo padronizado, o índio tem que ter franjinha, enfim, e é injusto pensar que depois de 500 anos de colonização que as pessoas ficassem separadas, que o europeu chegasse aqui e não se misturasse com o indígena. Sendo que veio um monte de homens e não tinham mulheres, via ali as índias, naturalmente ia se relacionar. Naturalmente também quando trazem os negros para cá, que não houvesse a relação entre negros e índios e de europeus com negros e com índios. Então, ou seja, a miscigenação ocorreu, ela é um fato, ela é uma realidade. O fato de existir uma característica diferente, um índio mais escuro, um índio mais claro, não significa que ele tenha perdido a sua identidade. A nossa identidade é composta por diversos valores que a sociedade precisa entender para não fazer pré-julgamentos ou criar preconceitos equivocados a nosso respeito.
Como está a situação da luta pela retomada do território do povo Tuxá?
Até hoje estamos sem terra, é um processo longo que vem se travando na justiça e ainda não há nenhuma garantia de que essa terra possa ser devolvida ao povo Tuxá. Hoje, o povo Tuxá se viu obrigado a lutar pelo território tradicional. Durante muitos anos nos conformamos por aquele pedacinho de terra que era a ilha, mas estamos há 30 anos esperando sem ter esse pedaço de terra de volta, que é um direito, pois somos um povo originário. Os primeiros habitantes dali éramos nós, o povo Tuxá. Então, nós estamos há dois anos lá em uma retomada do território, Dzubukuá, como nós chamamos. Como todos os atingidos foram reassentados, os tuxás também teriam o mesmo direito, mas como até hoje não conseguimos, decidimos lutar por nosso território. Em 2010, houve uma grande mobilização indígena e decidimos ocupar a área, amos um período, houve uma dispersão, mas agora em 2017 nós nos reorganizamos, criamos uma outra estratégia de permanência e fizemos uma autodemarcação parcial. Nós entramos numa área que está na “calha” do São Francisco, em tese uma APP (Área de Preservação Permanente) da União, em tese é uma área onde não há conflito de interesse, cercamos uma área de 10 hectares e construímos malocas coletivas. Nós temos 40 malocas, por grupos familiares, são 11 clãs. Agora, dia 31 de agosto, completou dois anos. Importante ressaltar que o processo de demarcação do território tradicional do povo Tuxá é um processo que já tem decisão judicial. A justiça federal lá da Bahia, através da Vara de Paulo Afonso, já determinou que a União demarque a terra. A União e a Funai já foram condenadas a demarcarem o território tradicional do povo Tuxá, D’zorobabé, sob pena de multa. Essa decisão ocorreu em 2014, não foi cumprida, quando foi no ano ado em 2018 houve uma nova representação que forçou o governo a publicar a criação do Grupo de Trabalho (GT) para delimitação do território.