Notícias da “pátria educadora”: as desventuras do ensino técnico federal sob o PSDB e o PT 1c586o
No 2º turno da farsa eleitoral de 2010, Dilma Rousseff e seu então oponente José Serra (PSDB) discutiam que governo — FHC ou Lula — construíra mais escolas técnicas. O PT levou, então, ao ar um programa de TV mostrando vantagens dos cursos integrados, que alardeava defender, sobre os subsequentes. Em 2011, já eleita, dá início ao Programa Nacional de o ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec), que, baseado na concepção oposta, ou a absorver a fatia maior do dinheiro e da atenção destinados à área. 2li2p
Professores e estudantes da Universidade Federal de Rondônia (UNIR) protestam em Rolim de Moura. Setembro de 2012 3x206r
No último debate de 2014, questionada por uma profissional de nível superior sobre a dificuldade de encontrar trabalho aos 55 anos, a senhora Rousseff disse a ela que recorresse ao Pronatec. Em 2015, já eleita, suspendeu quase integralmente seu orçamento. Entre os dois estelionatos, produziu uma junção do que seus antecessores haviam feito de pior.
Formação precária, trabalho idem
Como o Prouni, o Pronatec abrange a compra de vagas pelo MEC em escolas privadas — o que é igual a dar a elas dinheiro que se deveria investir no aprimoramento e democratização das públicas. Ainda pior é o uso de salas, laboratórios e professores de escolas federais em cursos que nada acrescentam a quem os faz (exceções há, e confirmam a regra).
Como os de FHC e mais claramente que os de Lula, os atos da senhora Rousseff no ensino técnico degradam a posição do Brasil na divisão internacional do trabalho e a dos filhos da classe operária na divisão interna. De 2011 a 2014, em razão da Copa do Mundo, doutores em literatura inglesa foram alocados para ensinar candidatos a garçons e camareiras a dizer “oi” nesse idioma ao atender turistas (na carga horária padrão do Pronatec, 160 horas, não se ensina ou aprende muito mais que isso). Como dois corpos não ocupam um mesmo lugar no espaço e nem um corpo dois lugares, isso inviabilizou, em vários IFs, a oferta do ensino médio-técnico de turno integral em que os docentes em questão deveriam ensinar Shakespeare, Done ou Milton aos filhos desses trabalhadores.
A ênfase em ocupações mal remuneradas no setor terciário é uma das bases do Pronatec e condiz com o perfil de ocupação a que o atual governo quer condenar os brasileiros com sua ação desindustrializante. Quem honesta e esforçadamente sobrevive como empregada doméstica, manicure, operador de telemarketing, lavador de carros ou depiladora merece respeito. Quem inclui “formar” trabalhadores para essas atividades (presentes, todas, no catálogo de cursos do Pronatec) entre os objetivos do Estado, não.
Essa inflexão privatista não tolheu as malfeitorias de Fernando Haddad e Eliezer Pacheco, agraciados com mais alguns bilhões para uso discricionário.
Desmandos e perseguições 16323a
Em 2011/12, seus desmandos atingem o zênite. Durante a greve de 2011, Eliezer exigiu dos IFs os nomes dos aderentes e a indicação dos que estavam em estágio probatório (docente do IFSC na época, tive a honra de integrar a lista negra). Depois, reuniu reitores e diretores de campus para a leitura de um texto em que dizia que os grevistas deviam seus empregos ao PT e ordenou que o remetessem aos servidores de cada IF via e-mail.
No IF do Paraná (IFPR), Irineu Colombo foi eleito para um mandato de três anos como reitor; Haddad o nomeou para quatro. No IF Fluminense (IFF), a subserviência da então reitora Cibele Daher ao MEC não impediu que a aliança entre os grupos de Eliezer e do ex-governador Garotinho movesse contra ela uma campanha injuriosa para eleger, sob denúncia de fraude, Luiz Augusto Caldas, por quem o então secretário pediu votos publicamente.
Ao pedir exoneração do IFSC, em 2012, ei a defender, como advogado, ex-colegas do IFRS. O caso mais surreal foi o do professor Paulo Berndt, alvo de processo istrativo disciplinar por ter denunciado uma fraude potencial a concurso dão instituto ao Ministério Público Federal, que lhe deu razão.
Além da denúncia, era motivo do processo uma charge publicada pelo prof. Paulo na greve de 2011, em que a senhora Rousseff era retratada tentando esmagar uma escola com um martelo — o que foi considerado ofensivo à presidenta da República. Após mais de 30 depoimentos de alunos, mães, colegas e ex-superiores com acesos elogios ao professor, a pena indicada pela comissão processante foi de demissão — comutada em suspensão após o escândalo que conseguimos criar em torno do caso. Dirigentes do IFPR flagrados desviando verbas receberam penalidade istrativa disciplinar de mera advertência.
A outra face do arbítrio era a distribuição clientelística de funções comissionadas e os desvios de função de quem se prestasse a servir aos esquemas de poder em cada IF. No início de 2012, a reitora do IFSC, Maria Clara Kaschny Schneider, solicitou ao IF Sul Riograndense a cessão de uma copeira para exercer cargo diretivo em sua instituição. No IF do Sul de Minas, um motorista foi transitoriamente nomeado diretor de Ensino no campus Muzambinho; no IFRS, um auxiliar de agropecuária foi escolhido para substituir o diretor de desenvolvimento institucional em suas férias.
Caminhos do Norte 6t6144
Quando Haddad deixou o MEC, em 2012, Eliezer deixou a Setec. A obra de ambos sobreviveu, infelizmente, a suas gestões. Não por acaso.
Em meados de 2010, Elias de Oliveira, levado por Eliezer de Porto Alegre para o MEC e já reitor do IF do Acre (IFAC) por designação de Haddad, prestara concurso para professor do IF de Rondônia (IFRO) em Ji-Paraná, a 380 km de Porto Velho. Marcelo Minghelli (AND 151) escolhera o campus da Universidade Federal de Rondônia (Unir) em Cacoal, a 480 km da capital do estado. Alexandre Vidor e Felipe De Angelis (AND 151) optaram por Sena Madureira, divisa com o Peru, onde há um campus do IFAC. Dias após os termos de posse nessas vagas, os quatro se licenciam para continuar em seus cargos comissionados no MEC, somando à remuneração destes os salários como servidores do IFAC, Unir e IFRO.
Iniciado 2011, o vínculo funcional de Oliveira a do IFRO para o IF de Brasília (IFB), onde ele já dirigia o campus do Plano Piloto. O de Minghelli, da Unir para o IF do Rio de Janeiro (IFRJ). Nomeado reitor do IFAC em substituição a Oliveira, ele dá um título de doutor honoris causa a Elizer e autoriza a transferência dos vínculos de Vidor e De Angelis para o IFRS, que no mesmo dia os libera para permanecer em Brasília como assessores da direção da Empresa de Correios (ECT), para onde também foi Getúlio Ferreira (AND 151).
Quando Haddad deixa o ministério e Eliezer a secretaria, Minghelli sai da reitoria do IFAC para a secretaria de Ciência e Tecnologia acreana. Ocupa-a até fevereiro de 2015, quando o PT o impõe à reitora da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Roselane Neckel. Em agosto, volta ao DF como coordenador de orçamento do Ministério da Justiça.
A situação de Vidor e De Angelis nos Correios foi declarada ilegal pelo Judiciário em 2013. Pressionada por emissários de Eliezer, a reitora do IFRS, Cláudia Schiedeck, nomeou o primeiro para coordenar o Pronatec no instituto e dirigir seu campus de Viamão, contígua a Porto Alegre, concedendo ao segundo licença remunerada no exterior contra o parecer do colegiado ao qual cabia analisar o pedido.
Roubo para a coroa 493u5n
“O tráfico de cargos na Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica nada deve ao tráfico de drogas. A matriz moral é a mesma” — constatou Antonio Abdalla Baracat Filho, ex-aluno e ex-professor do Cefet-MG, ex-dirigente sindical dos metalúrgicos e dos docentes federais de Minas e então professor de Filosofia do IFSULDEMINAS, em correspondência enviada a mim em 2012 com cópia para Marco Antônio de Oliveira, que recém substituíra Eliezer na Setec.
Em muitos casos, esses cargos também causam dependência e incapacitam para o trabalho e a vida normal. Em cinco anos como docentes da rede federal de ensino, Minghelli e Vidor não deram uma única aula; De Angelis jamais pisou nas instalações do IFAC ou do IFRS.
Mas bem mais que um clube de auxílio mútuo e participação em benefícios ilegítimos o que Eliezer e seu séquito montaram com essas operações é um dispositivo de poder mafioso capaz de articular e sabotar iniciativas; favorecer e prejudicar pessoas; monitorar in loco e em tempo real ações de dirigentes, servidores e estudantes; e, claro, manipular dinheiro sob a forma de funções gratificadas, cargos de direção, bolsas, licitações e contratos.
De Cacoal para Rio Branco, Minghelli levou consigo, em fins de 2010, a contadora Liliane Maria Nery Andrade, aprovada junto com ele no concurso da Unir. Sua maior credencial para as funções que ele lhe confiou no IFAC era o desvio de R$ 60 milhões da Universidade Católica de Salvador (Ucsal) junto a seu então marido, Raimundo Gabriel de Oliveira, condenado um ano antes a dez de prisão por estelionato e formação de quadrilha num processo do qual Liliane escapou porque a justiça baiana falhou em localizá-la. Gabriel remetia dinheiro da Ucsal para contas de empresas de fachada, simulando prestação de serviços, e depois se apoderava dele.
De 2012 a 2014, as operações Atenas (Polícia Civil do Paraná), Martelo e Sinapse (Polícia Federal) constataram o uso de tal metodologia na rede federal. Os reitores do IFPA, Edson Fontes, e do IFPR, Irineu Colombo, chegaram a ar algumas noites na cadeia; o do IFAM, João Dias, foi condenado pelo Tribunal de Contas da União por superfaturamento. No IFB, em 2012 e 2014, ocupantes de cargos comissionados foram presos por pedir ou receber propina para liberar pagamentos. Fraudes em licitações foram constatadas também nos IFs de Minas Gerais (IFMG) e Catarinense (IFC).
As cessões de Minghelli e Liliane ao IFAC demandaram a anuência do então reitor da Unir, Januário Amaral. No fim de 2011, com a universidade literalmente caindo aos pedaços e conflagrada pelo protesto de servidores e estudantes contra suas malversações — que se davam com igual modus operandi — , Haddad se negou a destituí-lo. Após ameaças de morte documentadas aos participantes do movimento e não conseguindo debelá-lo, Amaral renunciou.
Maria do Rosário, com quem Eliezer é casado, recebeu, para sua campanha à Câmara federal em 2010, não menos de R$ 50 mil da Uninassau, fornecedora de milhares de vagas ao Prouni que depois venderia outras tantas ao Pronatec, e R$ 100 mil de Antonio Carbonari Netto, então controlador da Anhanguera, tornado bilionário pelo Prouni (os valores não estão corrigidos). Na de 2014, foram ao menos R$ 150 mil da Kroton, que, após comprar a Anhanguera, vendera 30 mil vagas ao Pronatec, e R$ 60 mil do proprietário de um imóvel alugado pela ECT quando Vidor, De Angelis e Getúlio Ferreira estavam na empresa. A incorporadora Bolognesi doou R$ 30 mil — bagatela face à valorização de seus terrenos próximos ao ermo local escolhido para campus do IFRS em Canoas.
Trânsito e permanência 1k4b37
Elo entre o PT e o Fórum Nacional, filho de um ex-comandante da Escola Superior de Guerra, Aloizio Mercadante, que substituiu Haddad no MEC em 2012, era das pouquíssimas pessoas na sigla com cacife para demitir Eliezer. Já desmantelar o dispositivo que ele montara estava fora de seu alcance e interesse. Não houve primavera, mas incipiente degelo.
Nas mãos de Marco Antonio, escolha pessoal de Mercadante, a Setec deixou de ser o centro de articulação dos desmandos — o que, na altura, era muito pouco, pois eles haviam ganho vida própria e se alastrado como um tumor. Não desejando ter seu nome associado a certas tropelias, Mercadante e Marco Antonio retiraram o respaldo direto a elas. Mas pouco ou nada fizeram para impedir que continuassem e não desfizeram nenhuma dos sete ou oito anos anteriores.
Também mudou pouco a relação com os Cefets MG e RJ. Cessaram as sabotagens diretas e afrouxou-se o cerco com um pequeno socorro financeiro e a liberação de vagas para repor, via concurso, servidores aposentados. Mas o processo de transformação em universidades tecnológicas continua bloqueado e esses pequenos gestos tiveram por preço a adesão ao Pronatec (por certo, com uma oferta de cursos mais decente que o habitual no programa).
No início de 2014, o MEC a às mãos de José Henrique Paim Fernandes, burocrata trasladado de Porto Alegre a Brasília na mesma leva de Eliezer por Tarso Genro, em 2004. Operador financeiro e clientelístico central da gestão de Haddad na pasta, coube a Paim congelar a tímida distensão observada com Marco Antonio e consolidar o poder do grupo de Eliezer. Seus breves sucessores Cid Gomes e Renato Janine não tiveram tempo nem interesse em revertê-lo, como tampouco parece ter Mercadante, reconduzido ao ministério este mês. Menos o teriam Aléssio Trindade e Marcelo Feres, nomeados respectivamente por Paim e Janine para a Setec, que trabalharam com Eliezer de 2007 a 2012.
Este último projeta, agora, sua volta ao cargo. Aparentemente aleatórias, sua participação num evento no IF da Paraíba (IFPB), em setembro, e a de Maria do Rosário no convescote anual dos reitores e diretores de campus, no ano ado, atendem a esse objetivo. Ele articula também a ocupação de novos postos na rede federal por seu entorno.
A liquidação das instituições federais de ensino técnico pelo PSDB possibilitou seu posterior aparelhamento mafioso pelo PT — algo que, acaso preservadas suas dinâmicas normais de funcionamento e reposição dos corpos docente e istrativo, não teria sido possível senão em bem menor intensidade. Sob o prisma da dificuldade de reversão, o legado de Lula e de sua sucessora designada é mais nocivo que o de FHC, já que o aparato burocrático mafioso aqui descrito, sendo seus membros servidores efetivos e estáveis, assegurou sua permanência na rede federal pelos próximos vinte ou trinta anos pelo menos.
Os atos do governo FHC na Educação compõem uma tragédia. Os do governo Lula, uma ópera bufa que se degenera em crônica policial no da senhora Rousseff. A conspiração dos medíocres, afinal, pode ser um bom mote para uma novela desse gênero, como mostra, com seu último livro, o escritor Ernesto Mallo.