Smockey concedeu entrevista ao AND 40436
Smockey é o nome artístico do músico de hip hop Serge Bambara. Ele deu uma entrevista exclusiva para A Nova Democracia sobre o movimento Le Balai Citoyen (A Vassoura Cidadã), fundado em 2013 por ele e o músico de reggae e ativista Sams’K Le Jah, nome artístico de Karim Sama. x34y
Esse movimento é um dos que lideraram a revolta popular em Burkina Faso e conseguiu expulsar o tirano Blaise Campaoré, que governava o país há 27 anos, desde o golpe de estado no qual assassinou Thomas Sankara*, em 1987.
Quanto tempo tem esse movimento? O nome Balai Citoyen é relacionado ao Movimento Sankarista?
O movimento Le Balai Citoyen existe há um ano e dois meses, desde 25 de agosto de 2013. As idéias de Thomas Sankara são efetivamente presentes no movimento, pois ele é um exemplo de integridade e uma referência para nós. Por isso classificamos ele como Cibal N°1 [Cibal = Citoyen Balayeur, Cidadão Varredor].
Quem são os fundadores?
Os fundadores são dois artistas: Smockey [hip hop] e Sams’K Le Jah [reggae]. O movimento cresceu com a inclusão dos estudantes, dos jornalistas, dos advogados ou juízes, mas também dos comerciantes, dos trabalhadores no setor informal etc… Também tem outras organizações juntas a nós que têm os mesmos objetivos.
Como vocês fazem para comunicar as idéias e objetivos do movimento num país onde as comunicações não são muito boas e a maioria da população é analfabeta?
A gente está instalando os clubes Cibals [tem que ter no mínimo 15 pessoas para criar um] nos bairros, nos pontos focais das regiões, como também as coordenações regionais [como a de Bobo Dioulasso, segunda maior cidade do país] e as Embaixadas Cibales para a diáspora no exterior. Os responsáveis dessas diferentes estruturas são cadastrados e assim conseguimos rear a informação até a base. Também utilizamos os sms e obviamente a nossa página oficial do Facebook.
E a participação das mulheres? Fiquei emocionada a ver as mãezonas com suas colheres de pau nas ruas e sei que as organizações das mulheres de Burkina são fortes.
Sim, temos também participado na mobilização dessas mulheres na rua. As mulheres são realmente incontornáveis neste combate se quisermos ganhar, e como suas reações à atualidade política não são sistemáticas, à medida que elas reagem assim, o impacto pode ser determinante. Nós as chamamos de Cibelles [Citoyennes Balayeuses, Cidadãs Varreduras] em nosso movimento.
E a relação com o exército? Como são as divisões ideológicas no exército? Sankara, por exemplo, era um militar, e agora vimos que uma parte do exército apoiou a revolta enquanto outra parte atirava contra os manifestantes. Agora o exército assumiu o controle do país. Você acredita que ele possa respeitar o desejo do povo de fazer eleições justas e transparentes ou ele vai tentar manter o poder como no Egito?
As divisões são normais porque os abusos e a impunidade são evidentes. Antes de serem militares, eles são, sobretudo, cidadãos, e quando eles voltam para casa sofrem as mesmas restrições que os vizinhos. As altas patentes no seio do exército têm reproduzidos o esquema da corrupção em todos os níveis, levantando dinheiro mesmo em cima das despesas das missões dos outros militares e eles não gostam disso. Também o ex-presidente Blaise Compaoré se cercou d’uma guarda pessoal de pelo menos mil soldados melhor treinados e armados e gozando de privilégios excepcionais em relação aos outros. Tudo isso criou frustrações e vimos isso em nossas ações, apoiadas às vezes pelo punho erguido de certos militares. Achamos que podemos confiar na instituição do exército para restabelecer a ordem e nos levar rapidamente à uma transição civil. Não confiamos num homem, mas numa instituição cujo dever é proteger e defender o cidadão burquinense. Se eles traírem a causa do povo, nós vamos retomar o poder pelas ruas da mesma forma que demos a eles momentaneamente conforme as circunstâncias. Mas, por enquanto, o processo está se engrenando normalmente.
Como vocês fazem agora para manter a força e unidade do movimento e para garantir a realização das eleições?
Reuniões, concertações, mobilização e recrutamento permanente, como nosso slogan nos empurra: “nossa força depende do nosso número”. Queremos atingir a quantia de dois milhões de Cibals e Cibelles para realmente pesar no balanço da mudança.
Vocês têm alguns apoios no exterior?
Não, fora os militantes das nossas embaixadas Cibals e os outros simpatizantes da diáspora, que às vezes nos fazem doações, como recentemente depois do nosso pedido de solidariedade, através da nossa página Facebook, para cuidar dos feridos da insurreição popular.
E suas relações com os governos francês e americano?
As relações existem, mas são prudentes, por que não temos os mesmos interesses. Temos feitos encontros com a maioria dessas embaixadas antes da revolução para alertá-los a respeito do caos possível, mas fora a embaixada do USA, que reagiu oficialmente contra a tentativa de expulsar Blaise Compaoré, muitos como a União Européia lançaram mão do seu dever de neutralidade. Não conseguimos entender por que hoje, agora que o povo burquinese já pagou o preço do último sacrifício, essa neutralidade não está mais valendo…
Há uma grande oposição dos burgueses burquinenses? E dos países vizinhos?
Não, os parceiros do regime antigo têm mais interesse em se esconder e os povos dos países vizinhos acolhem isso como uma sorte inesperada por acreditar também na mudança na terra dele.
Imagino que os ditadores de Senegal, Costa de Marfim, etc., devem ficar muito preocupados com os acontecimentos em Burkina. Sabemos que o assassinato de Sankara e o golpe de estado de 1987 foram completamente orquestrados por Charles Taylor, Mitterand, CIA e companhia. Como vocês podem fazer para evitar esse tipo de sequela?
Ficar firmes, unidos, unânimes e ir até o final do processo de mudança que iniciamos. Depende de nós manter a pressão sobre o Estado para que ele continue a trabalhar no interesse do povo sem se preocupar com os interesses estrangeiros.
A Africom¹ tem uma forte presença na Burkina?
Achamos que sim, pelo jeito das negociatas que ocorreram com o regime antigo, mas precisamos restabelecer o governo para poder colocar uma comissão de justiça e verdade, para eventualmente julgar isso com os diferentes testemunhos dos antigos dignitários…
O movimento Balai Citoyen engloba as diferentes etnias e religiões de Burkina. Ele consegue garantir a tolerância entre os diferentes grupos?
Não temos nenhum problema de xenofobia em nosso seio.
Como você vê o futuro? Quais são vossos projetos principais?
Um país normal, com instituições que funcionem, os poderes separados e nunca mais a possibilidade de um presidente ultraar os dois mandatos aos quais tem direito. Resumindo, a boa governança e as contas a prestar constantemente aos eleitores sobre o estado da gestão de nossos recursos e dos bens públicos.
Um dos grandes projetos de Sankara era de fazer uma agricultura auto-suficiente, de nutrir as pessoas do país. Recentemente, Hilary Clinton disse que a África poderá se tornar o celeiro do mundo. É claro que ela não se interessa muito em alimentar os africanos. Você acha que em 2014 ainda é possível fazer uma agricultura auto-suficiente capaz de alimentar o povo?
Sim, está claro. Nossas produções são muito procuradas pelos países vizinhos. O lema de Sankara entre 83 e 87 poderá sempre voltar: ‘produzimos e consumimos, burquinenses!’ Temos os meios e os recursos…
Enquanto artista, como você vê as possibilidades da arte e da cultura em Burkina? As instalações culturais foram danificadas durante a revolta?
Isso não é evidente, mas é desejável que os atores culturais possam voltar ao trabalho assim que for possível. Isso é extremamente importante para realizar as mudanças que queremos. E não, os edifícios culturais não foram tocados pela manifestação.
E o Mogho Naaba²? Como ele se posiciona em tudo isso? Ele faz parte do problema ou da solução?
O Mogho Naaba devia ficar ausento de tudo isso. Embora seja sempre consultado, o seu papel é de representar uma alternativa ao diálogo quando o debate não é mais possível. A confiança investida nele é extremamente dependente da sua ausência na política.
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* Foi primeiro-ministro em 1983, quando o país se chamava Alto Volta. Com a mudança de nome, foi o quinto presidente de Alto Volta e o primeiro de Burkina Faso, de 1984 até 87. Foi assassinado por, nos anos de governo, ter tomado medidas democráticas e populares.
1 – Africom: United States Central Command, organização militar do USA na África.
2 – Mogho Naaba: chefe tradicional de Burkina Faso numa linhagem, ultraando vários séculos.