A história começa a retirar a mordaça 1n1n2e

A história começa a retirar a mordaça 1n1n2e

Nos primeiros dias do mês de março, a reportagem de AND percorreu as pequenas cidades do sul do Pará e norte de Tocantins onde, há 31 anos, se desenvolveu uma das mais importantes e censuradas lutas do povo brasileiro: a Guerrilha do Araguaia. Considerando vital abordar alguns aspectos dessa grande luta a partir de um ponto de vista diferente daquele divulgado oficialmente, AND esteve por vários dias entrevistando antigos moradores da região, sobreviventes dos combates, e pessoas que se dedicam à pesquisa sobre o tema, a fim de contribuir com o necessário debate da história dos conflitos iniciados em abril de 1972. Apesar da formidável quantidade de informação submersa nos arquivos do aparato repressivo do Estado, e de dirigentes revisionistas e oportunistas que preferem tentar lacrar definitivamente a história da guerrilha, visando sepultar tudo que lá aconteceu, muito ainda há para ser dito e revelado sobre o Araguaia. 216i2m

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Quem percorre hoje as cidades de Marabá, São Geraldo do Araguaia e Xambioá, próximas ao grande rio Araguaia, nos estados do Pará e Tocantins, não vê sinais evidentes de que ali se desenrolou um dos mais dramáticos acontecimentos nacionais. Até onde se apurou, há um museu, mas poucas indicações precisas sobre o ado do lugar. No entanto, essas pequenas cidades guardam na lembrança de seu povo as marcas da guerrilha do Araguaia, movimento armado que opôs militantes comunistas e camponeses da região a tropas das Forças Armadas, da Polícia Federal e das polícias militares de pelo menos três estados (Pará, Maranhão e Goiás), entre os anos de 1972 e 1975. Visitando o local, vê-se logo que remexer nesse ado não é tarefa fácil: a área de mata onde se aram os principais momentos da luta guerrilheira já não existe mais, além da rigorosa censura imposta ao povo do lugar. Apesar de trazer vivos na memória os fatos da época, muitos moradores ainda têm medo de falar sobre o que aconteceu.

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Moradora da região há quase 40 anos, Neusa Rodrigues Lins, 55 anos, não teme falar da guerrilha. Ela conheceu os combatentes que atuaram nos arredores de São Geraldo, à época ainda uma vila. Vizinha das terras do economista gaúcho Paulo Rodrigues, comandante do destacamento "C" da guerrilha e um dos primeiros militantes do PCdoB a se instalar ali em 1967, Neusa conviveu desde os primeiros tempos com os outros que se transferiram para a região. Tal proximidade acabou mudando para sempre sua vida. Aos 21 anos, em 1969, depois de um relacionamento frustrado, casou-se com Amaro Lins, então com 49 anos — ex-operário da construção civil no Rio de Janeiro, deslocado para as proximidades de São Geraldo com outros companheiros para trabalhar junto aos camponeses na preparação da luta armada.

Assim, ela se aproximou dos "paulistas" — como eram conhecidos pela população os militantes do PCdoB — sem no entanto saber das suas atividades políticas. Figuras como Maurício Grabóis, o Mário; João Carlos Haas Sobrinho, Juca; Dinalva de Oliveira, Dina e Paulo Rodrigues — que se notabilizaram no movimento armado de abril de 1972 — aram a ser assíduos em sua casa. "Eles apareceram e todo mundo notou que era gente diferente, da cidade, mas que trabalhava feito nós, e ajudava o povo", diz ela.

Foto: Arquivo pessoal 5b4t1f
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Neusa Lins e a casa onde morou nos tempos da guerrilha 4p2x6m

"Viveram a vida do povo" 1f6j1s

Até hoje muito respeitados na região, os revolucionários que lutaram no Araguaia conseguiram o apoio dos camponeses com paciência e dedicação. Sem esclarecer seus propósitos, foram se aproximando dos moradores como gente disposta ao trabalho e a melhoria da vida comum. Neusa, que hoje é viúva e mora com a filha e a neta, explica: "O pessoal que vinha chegando primeiro, comprava um pedaço de terra ou montava um peque no negócio, venda ou farmácia. Todos tinham muita dificuldade na roça, mas aprendiam com os moradores como fazer certas coisas. Várias atitudes fizeram o povo os respeitar: para trabalhar, não escolhiam serviço; e também tinha os médicos: Juca, Dina, Paulo socorreram muita gente, porque aqui não tinha nenhuma assistência. O povo gostava muito, vinha de longe para se tratar. Rápido, o povo ou a gostar deles, convidar pra festas, rezas e caçadas na mata."

Foram poucos, mas produtivos, os anos de convivência entre os combatentes e o povo do Araguaia. Os primeiros chegaram lá em 1966/67, mas o grosso dos militantes chegou entre 1969 e 1970. E esse foi um período de esperança para a região, pois o atendimento de saúde, a escola fundada pela combatente Áurea, entre outras coisas, significou muito para aquela população sofrida, que só via o governo através da presença da polícia e do cobrador de impostos — em geral vistos juntos.

O Exército ataca 4z2i6t

Porém, o desenvolvimento da situação mudou os planos do PCdoB bruscamente. O Exército, em abril de 1972, inicia operações na região. "De repente, começaram a voar aí helicópteros camuflados, fazendo um barulho e assustando muita gente, porque ninguém conhecia coisa parecida. Pessoal diferente começou a andar por aí, procurando pelo Paulo, Osvaldão, Dina, falando que eles eram terroristas, assaltantes de banco…", prossegue Neusa. Ela, que até então não sabia da militância do marido, teve que tomar conhecimento à força da situação — como praticamente toda a população da área -, quando sua casa foi invadida por soldados, no dia 11 de abril de 1972, que levaram Amaro preso. "Pelo que fiquei sabendo, o Exército chegou primeiro no dia 10, pousou nas terras do Paulo e levou de lá o Raimundinho, nosso vizinho, que estava tomando conta da posse. Bateram nele e o fizeram de `mateiro` para a tropa. Depois vieram em casa e levaram o Amaro, no dia 11, cedo. A essa altura, os `paulistas` já estavam na mata. Depois, dia 12, prenderam o Geraldo (José Genoíno Neto, hoje presidente do PT). Lembro que chegou muitos soldados; em Xambioá fizeram base do Exército e cadeia. Lá, batiam, torturavam muita gente, que levava choque, paulada …", diz. Este foi um dos momentos mais difíceis para o povo do lugar, pego de surpresa, mas que, ainda assim, destacou mais de 15 camponeses, que engrossaram as fileiras revolucionárias.

Tortura e terror na selva 2e6t38

Ao longo das três campanhas de cerco e aniquilamento promovidas pelos governos Médici e Geisel contra os revolucionários, estima-se que foram utilizados mais de 20 mil homens, entre tropas do Exército, Marinha e Aeronáutica, para destruir e não deixar vestígios da luta dos cerca de 70 militantes do PCdoB e das massas da região. Eram práticas do Exército a tortura e o extermínio de camponeses suspeitos de colaborar com a ULDP — União pela Liberdade e Direitos do Povo, organização política fundada pelos guerrilheiros nas pequenas cidades da região. Desta época datam as mais negras recordações dos habitantes, época em que vilarejos, castanhais, fazendas e roças foram transformados em praça de guerra.

Euclides Pereira, 68 anos, conhecido como Beca, foi preso em outubro de 1973 nas proximidades de Caiano, onde morava, sendo levado sob acusação de ser ´amigo de terrorista´. Muito torturado, até hoje sofre com as sequelas: "Fui chegando e tomando choque nas orelhas e genitais. Fiquei pendurado de cabeça pra baixo um dia inteiro, sem comer nada; depois fui pro buraco, sofrer humilhação", diz Beca. O citado ´buraco´ era a cadeia da base militar: uma cava de três metros, cercada por arames farpados, onde os preso eram amontoados.

Quem quer que caísse nas mãos dos soldados — não importando idade, sexo ou relação com a guerrilha — ava pelas mãos dos ´especialistas´, que determinavam o castigo conforme a ´culpa´ do prisioneiro. Há muitos casos de invalidez para o trabalho na região; pessoas que movem ação na justiça em busca de indenização por tudo o que sofreram.

Sem prisioneiros 6d1w

Ao mesmo tempo em que se intensificaram as torturas e o terror sistemático com camponeses, a terceira campanha do Exército ia desarticulando a organização militar revolucionária. Esse tempo, até hoje, está encoberto por uma mordaça. Sabe-se que no ano e meio desta campanha foram assassinados quase todos os guerrilheiros, e uma onda de desaparecimentos se abateu sobre a população local. Porém, oficialmente, notícias dos corpos de combatentes além de dados da destruição da área, não são revelados. Sabe-se por relatos orais que ali foram empregados métodos cruéis e armas de alta potência, como o napalm, descrito como um "fogo amarelo, que queima tudo rápido, com cheiro forte."

O principal mistério desta fase da guerrilha, no entanto, se refere ao destino dos corpos dos combatentes. Formalmente, não houve prisioneiros nestas operações. Apesar disso, camponeses e ex-soldados afirmam ter visto guerrilheiros apanhados vivos. Nem estes, nem os que morreram em combate, têm suas mortes reconhecidas. Familiares em busca de notícias organizam viagens ao sul do Pará, mas quase nada se conseguiu, ainda. Tudo indica que determinados setores das forças armadas continuam mantendo controle sobre as informações, de forma quase absoluta. Até mesmo a direção nacional do atual PCdoB avalisa o silêncio do Exército, para espanto de alguns. Mas, quando se analisa a distância entre o Partido Comunista do Brasil do Araguaia e o PCdoB de hoje, isso não chega a surpreender.

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