No dia 25 de maio de 2025, no povoado São Francisco, localizado na zona rural de Barra do Corda (MA), a casa do camponês Antônio Fernandes da Silva foi invadida numa ação policial irregular. Apesar da determinação judicial que arquivou o inquérito policial e revogou os mandados de prisão contra Antônio e outros camponeses da região, policiais militares, acompanhados de um policial civil, cercaram e invadiram a sua residência, dando-lhe voz de prisão. 4b485k
A esposa de Antônio chegou a entregar ao policial civil Oziel Pereira Sales os documentos que comprovavam a revogação do mandado, mas, mesmo assim, o agente ignorou as ordens judiciais e prosseguiu a operação sem apresentar qualquer mandado de busca e apreensão.
De acordo com relatos, durante a ação, os policiais destruíram pertences da família enquanto procuravam por algum elemento que justificasse a prisão em flagrante. Enfim, os policiais alegaram encontrar espingardas de caça – item comum entre trabalhadores rurais – e um revólver, enquanto Antônio foi localizado desarmado, fora da residência.
Para familiares e apoiadores, a operação foi deliberadamente premeditada. “Sabiam que poderiam encontrar uma arma de caça e tentaram usar isso para incriminar alguém que já estava com a prisão revogada”, afirma um representante da comunidade local.
A família de Antônio acusa os agentes de forjarem provas para tentar enquadrá-lo por porte de arma de uso — crime considerado hediondo pela legislação brasileira. Segundo os denunciantes, o revólver calibre .38 com numeração raspada apresentado pela Polícia Militar como sendo de Antônio não corresponde à arma que de fato pertence ao camponês. A defesa sustenta que a arma legítima é registrada e possui numeração visível. Fotografias comparativas anexadas ao processo evidenciam que se tratam de dois revólveres distintos.
Documentos e perícias contestam a autenticidade do revólver calibre 38 apresentado como evidência contra Antônio. Imagens e registros demonstram que a arma exibida pela Polícia Militar de Barra do Corda – alegadamente com numeração raspada – difere completamente da que pertencia ao acusado, levantando questionamentos sobre a origem do material apreendido.
Enquanto a Polícia Militar apresentou um revólver com numeração supostamente raspada como material apreendido, a defesa exibe imagens da arma real do acusado – com características físicas distintas e numeração intacta.
Segundo a defesa de Antônio, a tentativa de associá-lo a um crime hediondo teria como objetivo endurecer a acusação e justificar a prisão ilegal. O delegado Cleosnaldo Brito Siqueira Júnior, responsável pelo caso e defensor da tese de que a arma era adulterada e de uso , é citado nas denúncias como figura central na tentativa de validar a suposta prova forjada.
O caso de Antônio não se resume à violação de domicílio e ao desrespeito a uma decisão judicial. A defesa aponta indícios de abuso de autoridade, falsificação de provas e perseguição política a lideranças camponesas da região. A comunidade local, junto a organizações de direitos humanos e movimentos do campo, exige uma apuração rigorosa dos fatos e a responsabilização dos agentes envolvidos.
Segundo lideranças locais, a situação de Antônio expõe uma realidade mais ampla de violência institucional no campo, marcada por escândalos de grilagem, repressão sistemática e conivência de setores do Estado com interesses latifundistas sobre a terra. Sua prisão irregular lança luz sobre o uso da máquina policial e judicial para criminalizar camponeses em luta por seus direitos em Barra do Corda.
Delegado e PM denunciados por suposta manipulação judicial e grilagem em Barra do Corda 3d5u4j
Novas evidências apontam conduta irregular do delegado Cleosnaldo Brito Siqueira Júnior, acusado de induzir membros do judiciário a decisões equivocadas durante investigações sobre conflitos agrários.
Consta nos autos que o delegado classificou Antônio como um indivíduo perigoso e o associou à morte de um policial militar na região. No entanto, omitiu que o agente citado era suspeito de envolvimento com grupos paramilitares rurais – e que essa linha de investigação já havia sido descartada pela própria Polícia Civil, que recomendou o arquivamento do caso.
Ainda assim, Cleosnaldo teria mantido a narrativa de periculosidade em seus relatórios, o que, segundo a defesa, influenciou diretamente decisões judiciais subsequentes, contribuindo para a legitimação de medidas ilegais contra o camponês.
A conduta do delegado Cleosnaldo Brito Siqueira Júnior levanta suspeitas de violação da Lei de Abuso de Autoridade (Lei 13.869/2019), além de possíveis enquadramentos por prevaricação e calúnia, caso se comprove que atuou com dolo e sem respaldo probatório.
Um trecho de documento assinado pelo delegado, mesmo após o arquivamento do caso, chega a afirmar que Antônio estaria foragido desde 2024 – afirmação juridicamente insustentável diante da decisão judicial que revogou o mandado de prisão.
Após a prisão, a corporação recorreu à imprensa local e à “mídia alternativa” para divulgar informações falsas e reforçar estigmas contra os camponeses da região.
Em entrevista concedida ao radialista Vavá Macedo, o tenente Nepomuceno classificou Antônio como “de alta periculosidade”, “envolvido com conflitos agrários” e “suspeito da morte de um policial”. Também alegou que o camponês possuía “três armas” — número e descrição que não correspondem às evidências levantadas pela defesa nem aos registros da própria ocorrência.
A caracterização de Antônio como “envolvido com conflitos agrários” é particularmente reveladora, uma vez que as comunidades possuem decisões judiciais que asseguram a sua posse legítima, documentação que vem sendo desrespeitada abertamente por setores da segurança pública. A declaração do tenente reforça a denúncia de que a atuação policial está diretamente alinhada aos interesses dos grileiros da região, que perderam juridicamente contra as comunidades.
Como o Estado transformou criminoso em vítima e camponeses em alvo 534o68
Por trás desse conflito em particular – apenas mais um no estado que, segundo a Comissão Pastoral da Terra, é o primeiro colocado no quesito conflitos agrários – há uma trama complexa de crime organizado no campo, que envolve grupos paramilitares, grilagem de terras públicas, omissão do poder público e repressão violenta contra trabalhadores rurais.
No centro do caso está a figura do sargento da Polícia Militar João Almir Pereira da Silva, o “policial morto” citado por Nepomuceno, que faleceu em circunstâncias que expõem o funcionamento de um grupo de sicários na região. Durante um ataque ao povoado de São Francisco em novembro de 2023, morreu enquanto transportava galões de gasolina para incendiar casas de posseiros – com famílias ainda dentro. Segundo documentos judiciais obtidos pela reportagem, devido às más condições da estrada, Almir bateu numa árvore, e o carro incendiou-se com os próprios galões que levava.
Integrante da corporação, João Almir operava na prática como mercenário de um grupo paramilitar rural comandado por Evangelista Araújo Costa e Angelino Santiago da Silva Filho. Inquéritos e processos no JusBrasil, amplamente reportados, revelam que o grupo age há anos em uma escalada de violência: invadem terras públicas, falsificam documentos cartoriais e promovem execuções, tudo com a cumplicidade de agentes do poder público. O modus operandi inclui pistoleiros e também destruição ambiental, além da intimidação judicial.
A morte de João Almir deveria, naturalmente, ter levado à prisão dos mercenários que comandavam suas ações. O Estado do Maranhão, todavia, em vez de investigar, decidiu retaliar o povoado São Francisco. Em dezembro de 2023, menos de um mês após o ataque a São Francisco, a Polícia Militar e a Polícia Civil desencadearam uma operação de represália contra o povoado com relatos de tortura. Dois camponeses foram executados em circunstâncias que apontam para execução sumária – e nenhum paramilitar foi preso.
O major Wellington Pereira da Silva, comandante da PM na região, não só confirmou a natureza vingativa da ação como a celebrou publicamente. Em entrevista ao vivo na Rádio Alternativa 104,1 FM, reproduzida nas redes sociais, ele classificou os assassinatos como uma “resposta” à morte de Almir e elogiou a operação como “um dia positivo para os órgãos de segurança”. Suas palavras, ditas sem qualquer constrangimento, ecoaram como uma ameaça à comunidade: “Dois já estão fora de circulação”, declarou, referindo-se aos camponeses mortos.
Nas imagens chocantes obtidas pela reportagem, o investigador Oziel Pereira Sales posa com os corpos dos camponeses executados como caçador exibindo suas presas. Entre as vítimas está Adonias, irmão de Antônio – a mesma família que sofre com a fraude do revólver plantado.
O império criminoso de Evangelista 4b5q3f
Por mais de 20 anos, Evangelista Araújo Costa tem comandado uma organização criminosa especializada em grilagem, grupo paramilitar e violência rural – sempre com a conivência das autoridades. Investigado e condenado em Tocantins e Maranhão, continuou operando livremente, protegido por suas conexões com o Judiciário e forças de segurança.
Desde 2010, Evangelista Araújo Costa já operava como líder paramilitar no Tocantins, comandando expulsões violentas de camponeses em esquemas de grilagem que chegaram ao conhecimento do STF e do CNJ. O caso ganhou dimensão nacional quando o desembargador Bernadinho Lima Luz foi compulsoriamente aposentado após provas de seu envolvimento – caso que chegou a incluir o empréstimo de uma espingarda calibre .12 sua para ser usada no ataque à Fazenda Nova Jerusalém, em Natividade (TO).
A então conselheira do CNJ Eliana Calmon, em voto detalhado, expôs os laços orgânicos entre o magistrado e a organização criminosa, revelando como o grupo se movia com proteção institucional. A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, em decisão unânime relatada pelo ministro Luiz Fux (MS 32.806/2017), manteve a punição ao desembargador Bernadinho Lima Luz por seu envolvimento comprovado com a organização criminosa de Evangelista. O acórdão, publicado em 7 de agosto de 2017, detalha a rede criminosa que incluía:
· Adão Gualberto Nunes, Dalci Martins Resende e Alan Sales Borges (grileiros atuantes);
· Ediceu Rodrigues da Silva (coordenador operacional);
· Giovanne Silveira (ex-agente da PF infiltrado como segurança privado do grupo);
As provas vieram do Inquérito PF nº 288/2010, que expôs o modus operandi do grupo paramilitar – incluindo o uso de armas de fogo para intimidar autoridades e comunidades rurais. A decisão do STF revelou a profundidade da corrupção institucional que permitiu a atuação prolongada do grupo. O caso foi paradigmático – mas não impediu que Evangelista reconstruísse seu império no Maranhão anos depois.
Tocantins ao Maranhão: a reconquista criminosa de Evangelista 62yp
Após o desmantelamento parcial de sua organização no Tocantins (2010-2017), Evangelista Araújo Costa recomeçou suas operações no Maranhão com um trunfo perigoso: a experiência acumulada. Estabelecido em Barra do Corda desde 2018, formou nova aliança com Angelino Santiago da Silva Filho e cooptou policiais militares locais para recriar seu esquema de bando de mercenários rurais e grilagem de terras.
A prática revela uma máquina criminosa com aval institucional: o grupo age com documentos falsificados para “legalizar” invasões, impõe “taxas de resgate” a proprietários legítimos – extorsão organizada. Mesmo após prisão em flagrante em 2020 – quando foram apreendidas armas de grosso calibre nas mãos de Dalci Martins Resende, velho cúmplice de Tocantins – o grupo continuou operando livremente, com arsenal abastecido por armas da própria PM. A pistola .40 da PM encontrada nessa operação seria a mesma que, três anos depois, estaria nas mãos do Sargento Almir durante o ataque a São Francisco – revelando a intrincada teia de cumplicidade entre paramilitares e o Estado.
Documentos obtidos pela reportagem revelam que o comando da Polícia Militar do Maranhão tinha ciência formal, desde 2019, do envolvimento de seus próprios efetivos com os mercenários de Evangelista e Angelino. Apesar das evidências, nenhuma medida efetiva foi tomada para desarticular o esquema – uma omissão que permitiu a escalada da violência até os assassinatos.
A queda do bando criminoso começou apenas após o ataque a São Francisco (10/11/2023), quando seu grupo paramilitar – que incluía o sargento João Almir e um agente penitenciário – foi flagrada em ação. A operação criminosa, liderada pessoalmente por Evangelista e seu braço-direito Angelino Santiago, expôs a profundidade da infiltração policial no esquema e tornou-se notícia nacional.
Nove policiais — sendo oito militares e um penal — que haviam sido presos já estão em liberdade. Enquanto isso, os chefes mercenários, identificados como sendo Evangelista e Angelino, nunca chegaram a ser detidos e atualmente contam com decisões judiciais que garantem sua permanência em liberdade.
Estado paralelo ou Estado cúmplice? 423s1h
A morte de João Almir – carbonizado pelo próprio fogo que planejava usar contra camponeses – expõe a simbiose entre grupos paramilitares, polícia e poder público no interior do Maranhão. Processos judiciais detalham a atuação de Evangelista e Angelino, que mesmo após prisões em flagrante e apreensões de armas pesadas, operam livremente.
Enquanto violações se multiplicam, Ministério Público e Judiciário mantêm-se inertes – nenhum inquérito sobre as execuções de camponeses, nenhuma punição aos sicários. A omissão das instituições transforma-se em cumplicidade com o crime organizado.
Enquanto camponeses são criminalizados, grileiros e pistoleiros prosperam. Em Barra do Corda, a situação está clara: a farda protege o crime, as leis viram letra morta.