ados mais de dois meses da ofensiva da Tahrir al-Sham (Organização para Libertação do Levante) – HTS (ex-Frente Al-Nusra, seção da Al Qaeda na Síria) que resultou na queda do governo de Bashar Al-Assad e a Síria continua retalhada entre facções senhores de guerra cuja unidade se baseava quase inteiramente na deposição de Assad. Há poucos dias um conjunto de forças drusas1 se recusou a se desarmar e se submeter ao novo governo sírio, escancarando uma nova possibilidades de guerra civil no país, agora com envolvimento ainda maior de Israel ao qual o presidente interino da Síria Abu Mohammad al-Julani prometeu servilmente ter boas relações (leia-se se submeter). Afora essa potencial hostilidade ainda existe uma ressurgência do Estado Islâmico no oeste sírio e ao nordeste os curdos da Forças Democráticas Sírias igualmente se recusam a se ajoelhar à Damasco. 1h6a2j
Eis a “Nova Síria”, chefiada pela chamada “Oposição Democrática Síria”, que não tem condições de cumprir nenhuma das demandas dos incautos sírios e estrangeiros que lhe creditam alguma confiança (inclusive certas forças de esquerda). A democracia – neste caso mesmo a burguesa – está longe de se concretizar, al-Julani já disse que precisa de no mínimo 4 anos para a chamada de novas eleições que sabem-se lá em que condições serão realizadas. Quanto aos direitos das mulheres e minorias, dispenso comentários. A paz e a integridade territorial da Síria estão cada vez mais distantes: Israel continua, como desde 1968, ocupando as Colinas de Golã; a Turquia, desde 2011, permanece ocupando o norte sírio; os estadunidenses continuam na base de Al-Tanf e controlando seus arredores, tal como mantêm (sabe-se lá por quanto tempo) um “backup” de proxy no Curdistão Sírio; os russos podem até ter deixado a condição de principal mantenedor do regime, mas permaneceram com as duas bases navais de Latakia e Tartus no Mediterrâneo. O progresso econômico e a melhoria de vida do povo, cada vez mais distante, mesmo porque o trigo e o petróleo sírios – duas importantes commodities que poderiam ser utilizadas para levantar recursos – já têm donos e eles não são sírios.
Não que isso seja um elogio a Assad, ou a crença de que qualquer um dos objetivos ditos acima seria realizado sobre o regime baathista. Na verdade, a incapacidade desse regime em tomar qualquer iniciativa, preso aos seus fiadores externos (Rússia e Irã) e à estagnação econômica, se mostrou evidente em sua queda vergonhosa nos primeiros dias de 2025. Caiu tão depressa que mesmo seus fiadores externos não tiveram tempo para reagir de forma significativa a conter a sangria como fizeram em 2015, barrando o avanço do Estado Islâmico no país. O governo de Assad era um cadáver, imagino que sabiam, mas ao menos funcional para seus objetivos mais imediatos – o Irã precisava da Síria para sustentar seu apoio logístico ao Hezbollah e à Resistência Palestina e a Rússia para se fazer presente no estratégico Oriente Médio e ter seus tão sonhados portos em águas quentes – objetivo geopolítico russo há séculos. Neste sentido, não havia paixões, mas uma estratégia que falhou por ignorarem o fator interno: Assad poderia contemplar todas as demandas internas, mas não tinha apoio, poderiam mesmo não ser simpáticos ao HTS, mas não estavam dispostos a lutar e, porventura, morrer para sustentar seu governo. A deserção do seu exército foi notável neste sentido.
O novo governo do HTS, por sua vez, não parece apontar para um futuro muito melhor. Ainda embalado pelas vitórias e abarcando as expectativas de parte considerável da população que não aguentava mais o governo decadente de Assad, ele possui uma base de massas significativa com apoio dos EUA, Turquia e Israel, que já lhe coloca bem melhor que Assad nos seus dias finais. O problema é que à medida que seu governo não realiza os anseios da população síria e permanece impotente às ingerências estrangeiras, particularmente a de Israel, a ressaca dos festejos da vitória chega e toda a projeção de poder conquistada pela sua iniciativa na guerra (eis um mérito do HTS) se perderá e, logo, mesmo entre a frente mal costurada de forças da oposição síria poderá surgir um rival.
Um enclave druso 4c4r4p
Um exemplo, ainda localizado, do tratado acima, foi a recusa das forças drusas, recém-organizadas em 23 de fevereiro no Conselho Militar de Suwayda2, de se desarmarem e dissolverem suas unidades frente ao governo de transição sírio dominado pelo HTS. Anteriormente, essas forças drusas serviram em momentos diferentes a diferentes facções na guerra civil síria, primeiro apoiando uma coalizão rebelde do sul; depois, após a contraofensiva do regime baathista sustentada pela Rússia e Irã, voltaram a ser fiéis ao governo de Assad e, no último momento antes de sua queda, voltaram novamente a compor as fileiras rebeldes, compondo com outras forças da Sala de Operações do Sul que adentraram Damasco na primeira semana de dezembro. Hoje, ainda controlando a província de maioria drusa, o Conselho Militar de Suwayda ocupa uma posição estratégica na fronteira sul da Síria com a Jordânia e próxima àa Israel (colinas de Golã), nordeste do Líbano e à própria capital.
Declarando intenção de compor um exército nacional de um “novo estado sírio descentralizado”, a facção drusa já deixa implícita sua posição política discordante das forças principais do Governo de Transição e se torna mais uma força centrífuga na Síria, compondo inevitavelmente com o projeto das grandes potências para esse país. Por outro lado, esse posicionamento parece encontrar eco nas preocupações da população de Suwayda (majoritariamente drusa e com uma minoria cristã ortodoxa) e diante dos grupos principais da Oposição Síria. Saindo do frio enxadrismo da realpolitik e enfocando nessas minorias étnico-religiosas, não é de se estranhar que elas possuam receio em serem governadas e desarmadas por um governo central unitário liderado por ex-membros da Al Qaeda e do ISIS, cujo histórico de perseguição tem vitimado mais as minorias e mesmo seguidores de outras linhas do islamismo do que de fato o “Ocidente” e seus asseclas como Israel (na verdade sua ação convergiu com seus interesses). Vestir al-Julani de terno não parece o suficiente para lhe fazer parecer confiável.
Ao sul, a declaração do Conselho Militar de Suwayda parece ter sincronizado com a manifestação dos interesses de Israel para a Síria. Depois de trair o cessar-fogo com o Líbano, mantendo tropas em pontos estratégicos do país (com leniência do governo libanês acovardado), os sionistas pretendem repetir a mesma fórmula na Síria. Iniciar uma guerra de ocupação no sul do país, assumindo mais pontos estratégicos (a força de Israel está há pouco mais de uma hora da capital síria Damasco), ensaiar um recuo em troca da desmilitarização da zona fronteiriça e depois impunemente descumprir totalmente o acordo, sem que haja tropas próximas para fazê-lo valer. A diferença é que, enquanto a resistência no sul do Líbano foi real, representada pelo Hezbollah, e não apenas impediu os avanços maiores de Tel Aviv como tornou sua presença em grandes áreas muito dispendiosa; na Síria, nenhuma força política pretendeu assumir o mesmo papel – o Governo de Transição Sírio, ao contrário, ainda se manifesta interessado em negociar com os Netanyahu. Por isso, a existência de uma nova força militar oposta ao HTS, apoiada em preocupações legítimas de uma minoria (não quer dizer que as represente fielmente), é totalmente favorável a Israel, que poderá fazer valer seus interesses na região utilizando uma outra força além das suas, muito ocupadas na Cisjordânia.
Mapa das facções sírias no dia 28/02/2025 produzido e atualizado diariamente pela conta de X/Twitter: “Suryak”. Neste mapa temos em diferentes tons de verde as facções do Governo de Transição Sírio (HTS), de amarelo as Forças Democráticas Sírias (curdos), em amarelo claro a ocupação turca em parceria com o Exército Nacional Sírio (proxie da Turquia); em tons azuis a ocupação militar israelense (as Colinas de Golã e os avanços feitos nos últimos meses; de cinza escuro as áreas em poder do Estado Islâmico(ISIS) e em roxo o Conselho Militar de Suwayda.
Criar um, dois, três… mil Israeis 4092x
Ernesto Guevara de La Serna, o grande Che Guevara. Grande símbolo dos movimentos revolucionários das décadas de 1950 e 1960 e um dos teóricos do foquismo junto a Régis Debray, o Che fez os votos para que surgissem: “um, dois, três… mil Vietnãs”. Na outra colina, do lado da direita (e extrema-direita) estadunidense e sionista, parece valer a seguinte paráfrase para o Oriente Médio: “um, dois, três … mil israéis”. O ex-presidente estadunidense Joe Biden não foi exagerado ao dizer ainda em 2013 que: “Se não houvesse um Israel, teríamos de inventar um para garantir que os nossos interesses seriam preservados”. Faltou apenas explicar o porquê.
O imperialismo, não apenas o estadunidense, como os demais que o antecederam e concorrem hoje em menor grau de influência, desde o século XIX, tem repetido a fórmula de dominação romana atribuída a César: divided et impera (dividir para conquistar) para submeter países extensos e diversos que, se coesos, não apenas teriam condição de impedir a dominação de seu território, como possivelmente competiriam com os mesmos no mercado mundial. Em certos casos, sua ação desagregadora foi até antieconômica, destruindo forças produtivas que poderiam ter sido usadas em favor dos interesses capitalistas próprios no temor de que esses pudessem ser apropriados por algum projeto de desenvolvimento autônomo desses povos. Por exemplo, a China e a Índia – duas potências econômicas – cujas manufaturas ascendentes até o século XVIII foram reduzidas ao nível do artesanato doméstico para satisfazer as tecelagens britânicas.
Politicamente, a ação imperialista visou enfraquecer os estados poderosos não apenas através do choque direto, dispendioso e capaz de gerar grandes comoções anticoloniais, mas através do enfraquecimento de tratados lesivos à soberania desses países, do estímulo a disputas sectárias, distribuindo desigualmente benefícios (direito ao voto, terras, o ao serviço público) a diferentes povos. Aos favorecidos, por vezes considerados, dentro dos chavões darwinistas sociais, “mais civilizados” ou “raças marciais”, coube a função intermediária entre os colonizadores e os colonizados, que apesar de lhes render benesses os tornava odiados pela maioria do povo e, bem por isso, eram obrigados a colaborar com o colonizador frente a qualquer revolta sob o risco de serem vítimas de uma razzia anticolonial. Foi o caso da perseguição dos tutsis pelos hutus na Ruanda, das minorias indianas e árabes na África Oriental que logo após a independência da Uganda e Tanzânia foram obrigadas a emigrar e dos judeus argelinos e pied-noir na Argélia. Todos que receberam em troca dos colonizadores, após décadas ou séculos de serviço, pouco (cidadania de segunda classe no seu próprio país) ou nada, enquanto eram perseguidos pelos novos governos. Também é atribuída a César: “Amo proditionem sed proditorem odi” (amo a traição, odeio o traidor). Infelizmente, essas perseguições não miraram apenas os algozes e traidores, mas toda sua etnia.
Tanto Israel como seus cidadãos, independentemente do posicionamento político, se instruídos, sabem dessa possibilidade de seu destino em caso do fim do regime sionista – mesmo por vias reformistas que permitissem “apenas” os palestinos expulsos de Gaza e Cisjordânia retornarem às suas terras e propriedades e exercerem plenos direitos políticos “israelenses”. Além dos casos mencionados acima, é bem conhecida a realidade da comunidade branca na África do Sul e Zimbabué (ex-Rodésia), nas quais até hoje existe o ressentimento de compartilhar (minoritário) o poder político com a maioria negra a despeito de suas vantagens econômicas e sociais. Assim é consenso no establishment político e na sociedade israelense a manutenção do seu apartheid e, para essa situação ser sustentável, é necessário manter constante o fluxo de recursos estadunidenses para bancar seu eterno esforço de guerra interna contra os palestinos e externa de conquista ou dissuasão contra seus vizinhos que somente aceitam sua existência a muito custo político devido a suas próprias populações decididamente antissionistas. Israel, como tal, localizado onde está, é condenado a ser aliado estadunidense e os EUA sabem. Bem diferente da Turquia, concorrente à sátrapa estadunidense no Oriente Médio, que pode alternar sua fidelidade entre as demais potências (como o Brasil fez na década de 1930-1940, nos rendendo frutos importantes em nossa industrialização).
Potenciais “israeis” 3d2j69
Contudo, apenas “um Israel” parece não ser suficiente frente ao fortalecimento da Resistência Palestina e sua articulação às demais resistências árabes e islâmicas. O imperialismo, mais que nunca, demanda mais “israeis” para apadrinhá-los em troca de se servir de seus corpos de buchas de canhão. Onde estariam outros israeis?
Ao nordeste da Síria e norte do Iraque, já existe um caso bem notório: os enclaves autônomos (na prática independentes dos países que de jure fazem parte) curdos, seja o Curdistão Iraquiano como a zona controlada pelas Forças Democráticas Sírias. Ambos cercados de forças hostis e cujas decisões políticas de seus governantes em colaborar com os invasores estadunidenses sectarizaram ainda mais a comunidade curda com as diversas comunidades nacionais, em especial a árabe majoritária em ambos os países. Principalmente se o cerco do Governo Provisório Sírio ao sul e Turquia ao norte, os curdos sírios e seus aliados não terão opção senão se apoiar incondicionalmente nos EUA, ainda com o risco de ser deixado na mão como tudo indica que ocorrerá com Zelensky depois de 4 anos de bons serviços a Washington. Todo o legítimo sentimento nacional curdo, oposição ao expansionismo turco e às pautas civilizatórias (direitos das mulheres, representações das minorias não apenas curdas, estado laico) que caracterizaram as forças curdas em sua resistência ao Estado Islâmico e ocasionalmente à “Oposição Síria” que resultou no HTS, será definitivamente instrumentalizado tal como certos “progressos sociais” ofertados para os cidadãos israelenses de origem europeia e fé judaica.
Outro pequeno “Israel”, particularmente para os interesses sionistas, seria a instrumentalização do Conselho Militar de Suwayda, que exerce controle sobre a área de maior presença da comunidade drusa, desconfiada com as intenções do Governo de Transição Sírio. Israel, por motivos tratados em artigos anteriores, não tem interesse nenhum no fortalecimento de qualquer estado sírio, não importando quão fantoche ele pareça, e assim não quer presença militar síria ao sul de Damasco; e dadas as circunstâncias, favorecer a descentralização do poder estatal sírio seria altamente conveniente. Quiçá a Rússia, que outrora foi responsável por costurar alianças de ex-rebeldes do sul com o governo sírio de Assad na década de 2010, também exploraram esses laços em seu favor, fortalecendo o enclave contra a Síria, agora pró-turca.
Arrisco dizer que, a depender da inércia do Governo de Transição Sírio em responder às forças centrífugas em seu território, talvez outras forças políticas e comunidades étnico-nacionais tentem arrancar melhores condições de autonomia. É o caso das comunidades cristãs, alauítas e drusas nas províncias de Tartus e Latakia, tradicionais bases de apoio de Assad e do Partido Baath. Já é clara sua insatisfação desde as provocações dos grupos salafistas à celebração do Natal e a perseguição a antigos representantes do governo deposto. Nesse caso específico, a potência beneficiada por essa possível suposta secessão da Síria seria a Rússia, que diante de um novo “Estado Alauíta-Cristão” cercado de inimigos e ansioso por um fiador de poder e muito distante dos braços do Irã, poderia custear a defesa deste país em troca da proteção às bases navais. Combinaria bem também com os desejos de Putin por reviver o czarismo e a defesa do cristianismo ortodoxo mundial, já que o pan-eslavismo como linha de ação geopolítica é impensável (a maior parte dos povos eslavos da Europa Oriental atravessa fases de intensa russofobia).
Se observarmos o mapa do Mandato da Liga das Nações da Síria istrado (colonizado) pela França após a dissolução do Império Otomano em 1918 até a década de 1940, vemos que a ideia de balcanizar a Síria em linhas étnico-raciais não é nova e sempre permeou a mente dos colonizadores. Ironicamente, o atual mapa da Síria (observe acima) não difere muito deste desenhado pelos ses há mais de 100 anos. E o momento também tem suas proximidades, visto que em ambos os cenários é crucial para as potências externas fracionar o poder dos estados do Oriente Médio para manter tudo “em ordem”.
Mapa do Mandato das Ligas das Nações da Síria e Líbano istrado pela França em 1922. Nele a França buscou garantir seu controle dividindo a Síria politicamente em linhas étnico-religiosas. São elas o Grande Líbano, à época de maioria cristã (católica maronita e ortodoxa) e importantes minorias islâmicas sunitas; o estado Alauíta (que coincide com as atuais províncias de Tartus e Latakia) com importantes comunidades alauítas, cristãs e drusas além de uma maioria islâmica sunita; o Estado de Jabal al-Druze (montanha dos drusos, em árabe, cujo território é um pouco maior que a atual província de Suwayda) de maioria drusa e minoria cristã ortodoxa; o Sanjak de Alexandreta de maioria turca; afora os dois grandes estados de Damasco e Aleppo de maioria islâmica sunita (maioria da população síria), sendo que Aleppo possuía uma significativa comunidade curda e turcomana(próximo a turca).
Conclusão 6o1w2l
Como era de se imaginar desde o princípio, contudo criminosamente omitido pelo monopólio de imprensa brasileiro e mesmo por certos veículos associados à esquerda política, a “Revolução Síria” não possui nada de democrático, progressista ou mesmo nacional. Se, por um lado, é inegável que ela deflagrou no solo fértil para sedições da realidade síria (creditar tudo aos peões do imperialismo no Oriente Médio seria insuficiente); por outro, todas as direções políticas do movimento desde o princípio serviram a interesses externos. Algumas de forma direta, como as facções em torno do guarda-chuva chamado Oposição Síria, que sempre foram vinculadas aos EUA, Turquia e às monarquias do Golfo; seja as que surgiram mais tarde a partir do Curdistão Sírio e o Estado Islâmico que podem até ter obstaculizado alguma iniciativa imperialista, contudo serviu a um outro propósito seu, particularmente ligado ao lobby sionista, de destruir os estados do Oriente Médio, pulverizando sua unidade nacional, minando qualquer mínimo desenvolvimento econômico capaz de sustentar uma política antissionista mais profunda.
Assim, vamos ao segundo ponto desta conclusão: o caos no Oriente Médio (e de certa forma na África) é uma demanda geopolítica dos EUA e suas potências subordinadas. Naturalmente que o ideal seria a existência de um sistema que garantisse estabilidade, ordem e a hegemonia das grandes potências – uma espécie de “imperialismo harmônico”, mais ou menos como os EUA operam na América Latina e a Alemanha na Europa Oriental (exceto as ex-URSS). Mas, sendo impossível por uma série de fatores (dentre eles a forte oposição do povo islâmico à dominação e a contenda entre potências em seu território), é melhor que essas regiões se mantenham em caos interno, mesmo que não seja a opção mais lucrativa. Um caso evidente é a Líbia de Khadafi, que indiscutivelmente rendia mais lucros à Itália e à França do que a atual Líbia, que regressa ao medievo, mas que foi destruída por esses dois países a mando da OTAN para se impedir que ela “saísse da linha” e se tornasse uma ameaça à sua dominação.
Quanto aos drusos, entendo nisso, suas lideranças políticas e militares na província de Suwayda, a escolha aparentemente mais fácil de se aliar a Israel pode lhe render péssimos frutos. Se no primeiro momento poderão se orgulhar de ter aliados poderosos dispostos a proteger seu enclave, sua filiação a Israel poderá lhe custar a inimizade de todo o Oriente Médio, que a longo prazo não parecerá um bom negócio.
E o que podemos esperar nessa situação: muitas situações. Se o caos é sim interesse do imperialismo (particularmente os setores mais sionistas) para o Oriente Médio, o mesmo caos possui uma grande vantagem à estabilidade do quadro anterior na Síria: ele é bem líquido e permite reviravoltas com mais facilidade. Um possível cenário mais otimista para a Resistência seria que as sucessivas afrontas à soberania síria, particularmente a última realizada por Israel, cuja reputação é a pior possível no Oriente Médio, catalisassem uma reação nacional em cadeia na Síria e mesmo que obrigassem as facções acomodadas no Governo Provisório Sírio a tomar alguma decisão.
OBS: Este texto começou a ser escrito antes da manifestação de interesse do Partido dos Trabalhadores do Curdistão – PKK em realizar o cessar-fogo com o estado turco, o que merece outra análise, mas, em síntese, confirma o tratado nos artigos anteriores que apontam a castração do Curdistão Sírio frente à Turquia na condição de sátrapa na Ásia Menor.
Esse texto expressa a opinião do autor
Luiz Messeder é professor de Geografia da rede pública, publicou a tradução de “Alma Matinal” em português e habitante das serras. Escreve sobre temas ligados à política internacional e demografia.
- Minoria étnico-religiosa-cultural presente na Síria, Líbano, Jordânia e Palestina(hoje ocupado por Israel). Os drusos surgiram a partir do Islã Ismaelita (tendência surgida do Islã Xiita, por sua vez) e possui uma série de crenças consideradas heterodoxas para a maior parte dos islâmicos combinando elementos do cristianismo e do gnosticismo: reencarnação, endogamia (não há conversões e nem aceitação a casamentos mistos), dualidade corpo e alma, a crença que o Aláqueme Biamir Alá, califa xiita do século XI, era a encarnação de Deus. ↩︎
- Província ao sul da Síria de maioria drusas. ↩︎