Entrevista com Evson Malaquias de Moraes, professor perseguido pela burocracia universitária da UFPE 2p5b29

Entrevista com Evson Malaquias de Moraes, professor perseguido pela burocracia universitária da UFPE 2p5b29

O AND realizou uma entrevista com Professor Titular da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Evson Malaquias de Moraes Santos, Doutor em Sociologia pela UFPE e pós-doutoramento em Braga, Portugal. Evson vem pesquisando a 13 anos memórias e história da UFPE, inclusive recentemente, dedicando-se aos estudos sobre a UFPE no contexto do regime civil-militar fascista de 1964. O professor vem sofrendo perseguições da burocracia universitária da UFPE por reivindicar a alteração do nome do um auditório do centro de educação – CE que homenageia um representante do regime militar fascista. 5t858

Confira aqui a entrevista realizada:

A Nova Democracia (AND): — Como tiveram início as perseguições a você e qual o papel da reitoria da UFPE nesse processo?

Professor Evson Malaquias de Moraes Santos: — Fico muito grato pela iniciativa do jornal A Nova Democracia em realizar esta entrevista comigo. Espero que seja a primeira de muitas outras.

Interessante questão. Talvez possamos falar de “graus” de perseguição. Antes da pandemia, a minha chefia queria que eu adulterasse o resultado da avaliação de uma estudante. Fui assediado por quatro meses – de novembro a fevereiro. Contudo, a chefia recuou. Podemos dizer que o assédio no Estado de Direito Democrático é uma rotina. As denúncias sobre assédio e abuso de poder são comuns. Os índices são altos no Brasil. A Universidade não foge a regra. Inclusive, os servidores istrativos sempre comentavam assédio por parte de docentes, aqui mesmo, por membro do sindicato. Recentemente, em outro departamento distinto do meu, quatro docentes estão com problemas com a chefia e alguns com processos mútuos. Quero ressaltar que com a pandemia houve piora na relação de poder da burocracia. A burocracia ficou mais à vontade para satisfazer seus desejos sádicos.

Bem, esclarecendo a relação com a Reitoria/chefia (e com membros do Departamente de Políticas e Gestão da Educação), chamo a atenção da proximidade política, ideológica e pessoal entre ambas. Muito próximas. Alguns chegam a compartilhar momentos festivos juntos, outros assumem cargos de confiança na Reitoria. Quase 100% apoiaram a eleição da atual Reitoria, o que não ocorreu comigo.

Através de uma simbiose total poderíamos sintetizar: Dia 23 de dezembro de 2021, entrei com processo contra a chefia por assédio moral. No dia 27 de dezembro do mesmo ano, a chefia entrou com processo contra minha pessoa. A Reitoria assumiu o processo da chefia como principal, e o meu como secundário, apensado ao dela. Ora, para fazer isso, existem duas possibilidades: ou a Reitoria estava esperando a entrada desse processo ou estava juntamente com ela redigindo o processo. A partir daí foram sucessivas as ações de ilegalidade, falta de transparência e abuso de poder, inclusive impedindo a minha advogada, Maria José do Amaral, de ar plenamente os documentos do processo. O absurdo chegou até ao fato de me impedirem de ter o ao meu próprio processo no Sistema Interno de Patrimônio, istração e Contas (Sipac). Ou seja, estou proibido de baixar e ar meu próprio processo na plataforma da universidade. Sem dúvida nenhuma, o professor Mondaine está certo quando sugere o exercício de uma prática fascista pela atual Reitoria.

AND: — Como você avalia o comportamento da burocracia universitária (que geralmente se apresenta como progressista e democrática) contra a sua posição de modificar o nome do auditório que homenageia um interventor do regime militar fascista?

Prof. Evson Malaquias: — Veja, a burocracia é uma invenção moderna – a “racional”. Ela se apresenta como procedimento racional que visa à eficiência, sendo neutra e impessoal. Mas, na prática, não é bem assim. Só para historicizarmos, a burocracia no Brasil é “inaugurada” no governo populista de Getúlio, com o Departamento istrativo do Serviço Público (Dasp). Entende? Um governo populista ditatorial instaura um Estado “racional”. Como pode? São coisas da História, de seu ato criador.

Eu entendo que somos “governados” pelo patrimonialismo. E o que é o patrimonialismo? São significações imaginárias que estão alicerçadas na privatização do espaço público. Ou seja: um grupo qualquer se apossa dos órgãos e instituições públicas e os assumem como seus donos, seus proprietários. Essa é a história política do Estado capitalista brasileiro. As famílias (de bem) comandam os governos estaduais e municipais em boa parte deles.

A istração da UFPE está tomada por práticas patrimonialistas como nunca em sua história. A istração central da UFPE se considera dona desta. Ora, neste caso, a Comissão de Sindicância cumpre uma função de Tribunal de Inquisição: investiga, faz as normas, legisla, julga e decide a vida daqueles que estão sob o seu chicote.

Olha a contradição: uma burocracia racional (impessoal) que se transforma em pessoal a serviço do Senhor. Cheguei até a comparar a atual reitoria num vídeo-denúncia com o poder de um Imperador, pois não há leis universais e isonômicas. A istração central se confunde com a própria UFPE. Ora, ela não é a UFPE, ela é ageira, uma reles a – mas, na prática, não é bem assim. A UFPE é sua propriedade.

Agora, há alguns elementos que precisam ser adicionadas a essa interpretação teórica: a história. Houve um racha no PT interno (família?!) e a atual Reitoria saiu vitoriosa na consulta eleitoral. Os vencedores, para assumirem o cargo, não pediram apoio à comunidade universitária, mas sim ao líder do Senado de Bolsonaro. Isso mesmo. Podemos dizer que essa gestão é protegida pelo bolsonarismo. Ao mesmo tempo que toma chá com a direita e extrema-direita, seus dirigentes tiram fotos com Lula em grandes abraços e intimidades. É uma Reitoria que quer agradar a todos os lados. Mas há uma curiosidade aí: um dos governantes da reitoria é da cidade de Ouricuri, terra governada pela mesma “família” do senador bolsonarista. Essa família (e outras) comanda por décadas a cidade natalícia de um deles. Entende o que está por trás?

Essa mesma Reitoria tentou agradar, também, o Exército com um projeto de um museu virtual envolvendo vários profissionais da informática. Por várias reações contrárias, ele (supostamente) recuou da intenção. A Reitoria tem condição de construir uma plataforma para o Exército, mas não tem condição de criar uma plataforma TRANSPARENTE em que os processos sejam públicos e permita que os advogados consigam ar plenamente os documentos de seus clientes. Estranho, não?!

E mais estranho é o compromisso de membros da Reitoria com os políticos de sua cidade natal para construir um campus da UFPE lá, em Ouricuri. Pelo menos foi o que um blog local divulgou com fotos: o compromisso de um dos gestores da Reitoria com o poder local.

Bem, introduzimos aqui uma questão: neste contexto, fica claro que a mudança do nome do auditório do Centro de Educação (representante da ditadura) não foi bem-vista por essa burocracia patrimonialista. Existe uma posição de corredor de professores (e dos que controlam os cargos nos órgãos) que defendem a sua manutenção, claramente contrários à mudança, pois há alianças com esses setores conservadores da política brasileira. Usam o nome de Paulo Freire, mas a prática é bastante próxima do bolsonarismo e de seus aliados.

Não dá para desenvolver aqui, mas gostaria de chamar a atenção para a questão da “morte da democracia”: procedimentos burocráticos democráticos repetitivos persistem, mas sua formalidade não está em conexão com seus conceitos (estes últimos são apenas instrumentos de dominação). A democracia, inicialmente dominada por eros, transformou-se em tanatos. Essa geração de intelectuais e es representam essa ordem tanática. Sua ligação é com a pura defesa da ordem. Compreendo, então, que os “representantes da democracia”, os da ordem “democrática”, criam empecilhos para avançarmos com o pouco que construímos de democracia. Entende?

Assim, é fundamental a mudança do nome do auditório. Mas, mais importante que isso, é que se desenvolva um debate público, amplo e efetivamente democrático pela mudança ou manutenção do nome. Construir espaços públicos, livres e criativos. Para a burocracia atual, o único espaço legítimo é aquele que ele pode controlar: local de reuniões de professores. Por exemplo, a minha chefia levou uma proposta ao Conselho Departamental (dominada por docentes) para SUSPENDER o debate sobre a mudança do nome do auditório. Só aceitava discussão, em último caso, se fosse nos órgãos da burocracia. O debate não pode e nem deveria ser público. Quem quisesse debater o tema estaria “proibido”, precisaria pedir autorização à direção. Por sinal, colocar cartazes diversos no Centro de Educação estão proibidos atualmente: precisam ser autorizados pela direção e, caso sejam aprovados, só poderão ser colocados nos murais estabelecidos pela mesma. Precisamos de bolsonarismo? Essa é a esquerda do Centro de Educação.

AND: —  Quais os outros casos, semelhantes ao seu, de perseguição e censura na UFPE que são do seu conhecimento?

Prof. Evson Malaquias: — Veja, a história da UFPE é também de perseguição, assim como a história política e social do Brasil. Como já disse, existem os donos dos departamentos. Não citarei nomes, mas nos vários departamentos das Humanidades já ocorreram perseguições. As perseguições durante a ditadura de 1964 eram constantes – principalmente contra estudantes. As sindicâncias eram estabelecidas para perseguições, punições. A Reitoria era “orientada” a não contratar os professores que vinham de outros estados ou dos doutorados de outros países. Há vários casos nesse sentido. Ora, a instituição “sindicância” da ditadura nunca foi questionada pública e democraticamente: ou seja, nunca foi transformada num objeto público, aberto, crítico, consciente coletivamente, de ruptura (as mudanças deram-se istrativamente, conforme o contexto político). A sindicância atual repete práticas da ditadura e as defende como legítimas (em defesa de uma “tradição”). Venho dizendo: a UFPE não é (ou não está) republicana. A coisa pública não é (ou não está) pública. Os seus agentes estão agindo em nome dos seus donos. Estamos muito longe de uma vida republicana na UFPE e no Estado brasileiro em geral. É possível isso no capitalismo? Acho que não! Há os que acreditam e criam fábulas “democráticas”.

Se pegarmos a história da República brasileira, podemos dizer que é a história do racismo, dos massacres de trabalhadores urbanos e rurais, do genocídio de indígenas e da etnia negra, da violência múltipla da polícia (e instituição segurança) contra todos esses.
Nessa trajetória, a UFPE não pode ser um lugar de manifestação de “amor” (substantivo bastante usado nas eleições). Ela vai expressar, também, em sua peculiaridade, essa contradição de classe, étnica e de gênero. A contradição se dá, também, entre os es e a UFPE, pois nem sempre os interesses dos es são os interesses daqueles que compõem e formam a instituição. Mas uma coisa é certa analiticamente, como já alertou Edgar Morin: o todo está na parte e a parte está no todo.

A UFPE e/ou outras instituições educacionais incluíram uma coisinha democrática aqui e ali, inclusive com resistências de várias istrações, decorrentes das lutas sociopolíticas da sociedade que chegaram a elas, mas elas cumprem uma função macro-política-social-econômica: servir às classes dominantes (urbanas e rurais). Não é à toa que os direitos (bolsas, por exemplo) destinados aos estudantes são os primeiros a serem atingidos na “crise” e, com constância, os estudantes rebelam-se em protestos – como os servidores istrativos, na hierarquia da instituição, são também secundarizados. Veja as ocupações estudantis que foram realizadas na UFPE: algumas faziam reivindicações políticas para participações nos órgãos. A burocracia istrativa democrática reagiu/e fortemente: chamou a polícia militar e federal. Recentemente, um morador da Casa do Estudante estava sofrendo processo na Justiça Federal, podendo até ser preso, mas resistiu e venceu seus perseguidores.

A política atual da Reitoria, por enquanto, é a de cooptação do pouco que existe de movimento estudantil. Os “amigos” da Reitoria são chamados e atraídos a ajudarem a istração central. Essa prática foi bastante comum entre os anos de 1970 a 1975, nos reitorados de Murilo Guimarães (1964-1971) e, principalmente, no de Marcionilo Lins (1971-1975), que conceituei de “paternalismo” e classifiquei as relações de “blandícias”. O Marcionilo Lins, na posse de um dos DCEs, disse que estava inaugurando um novo movimento estudantil: um movimento de cooperação e do fim da política em seu meio. Sugiro a leitura do meu novo e-book, gratuito, intitulado “Blandícia às Autoridades, Miss, Futebol e Assistencialismo: os ‘estudantes democráticos’ da UFPE – 1970-1975” (2022). Por sinal, alguns dirigentes estudantis do DCE/UFPE de direita, posteriormente, tornaram-se professores da nossa instituição, outros assumiram cargos de delegados de polícia, políticos partidários, e outros converteram-se ao pensamento paulofreireano.

AND: — Quais os últimos desdobramentos do processo de perseguição e quais as perspectivas de desfecho para o caso?

Prof. Evson Malaquias: — Estamos com três processos na Justiça Federal: 1) Mandado de segurança; 2) Tutela de Urgência; e 3) um Habeas Datas. Os dois primeiros foram interpostos pela advogada Maria José do Amaral, exigindo da Justiça o pleno a todos os documentos do processo, além de exigir a nulidade de todos os atos istrativos praticados pelo Tribunal de Inquisição contra minha pessoa, digo, Comissão de Sindicância. Ainda é bom registrar que, presencialmente, a advogada Maria José, juntamente comigo, entregou na Comissão de Sindicância, no dia 22 de julho de 2022, uma petição solicitando a impressão de todos os documentos do processo contra minha pessoa e, até hoje, nada, nenhum comunicado foi feito – já se aram quatro meses. O último, o Habeas Datas, exige que a Reitoria torne pública todas as investigações feita contra minha pessoa. O prazo final para a Reitoria, decisão da juíza, é o mês de novembro de 2022. A partir daí, iremos tomar novas providências.

É bom registrar que a OAB-PE foi convocada a se posicionar, declarando-se favorável às ações da advogada Maria José, indo contrariamente às justificativas da Reitoria da UFPE.

A importância do processo da advogada Maria José do Amaral é a seguinte: a vitória na Justiça obrigará a UFPE a ser TRANSPARENTE não somente com ela, mas com todos os advogados, incluindo aqueles da comunidade universitária que estarão sob auspício de Comissão de Sindicância. A sua vitória democratizará a UFPE. A vitória da advogada beneficiará a todos que tiverem contendas istrativas. A vitória dela será a de todos e todas.

A vitória na Justiça da advogada Maria José do Amaral será a democratização da sindicância na UFPE. O Fim do Tribunal de Inquisição está próximo.

AND: —  Em sua avaliação, qual o papel do movimento estudantil na luta contra o autoritarismo da burocracia universitária na UFPE?

Prof. Evson Malaquias: — Espero que seja positiva, pois a pandemia arrefeceu os movimentos no geral no interior da UFPE. Estamos retornando agora presencialmente e, nesse contato interpessoal, espero que possamos construir laços sólidos de luta. No entanto, a conjuntura é adversa: a Reitoria conservadora atual vem tentando controlar o pouco de movimento que existe na UFPE. Espero que o pouco de organização lúcida que sobrou pós-pandemia apoie na sua pauta a defesa da democracia. Esta não pode ser confundida apenas com eleições e, muito menos, com apoio a candidatos. Mas uma coisa que aprendi com a política foi: quando menos se espera, ela sempre emerge com novidades revolucionárias, contestadoras.

Tomando a experiência dos estudantes da UFPE durante a ditadura de 1964, podemos afirmar com muita certeza que os estudantes foram os que mais contribuíram para o enfrentamento contra a ditadura de 1964. A tradição do movimento estudantil – com poucos momentos liderados pela direita – sempre foi de enfrentamento com os governos e as istrações universitárias – inclusive no período democrático (vide a primeira greve estudantil em 1947).

Vamos aguardar para ver como se comportarão as lideranças estudantis diante da conjuntura política populista de esquerda e de direita – inclusive a fascista –, e como conduzirão as lutas diante dos interesses públicos educacionais.

Ao longo das últimas duas décadas, o jornal A Nova Democracia tem se sustentado nos leitores operários, camponeses, estudantes e na intelectualidade progressista. Assim tem mantido inalterada sua linha editorial radicalmente antagônica à imprensa reacionária e vendida aos interesses das classes dominantes e do imperialismo.
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