Foram feitas pequenas correções às 9h45, dia 17 de janeiro, terça-feira. 596f3u
A bolsonarada de 8 de janeiro segue tendo sérios desdobramentos. O projeto de decreto de Estado de Defesa que seria assinado por Bolsonaro enquanto era presidente, encontrado na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres – o mesmo que facilitou flagrantemente as invasões das sedes dos Três Poderes – explicita duas coisas: primeira, que toda a pregação golpista de Bolsonaro antes e durante as eleições, as paralisações de rodovias, as ações armadas da extrema-direita após divulgação do resultado etc. correspondiam ao seu plano de que, caso não vencesse as eleições, ia tal decreto antes da posse do oponente, o que não foi levado a cabo porque o Alto Comando das Forças Armadas (ACFA) não está de acordo com uma ruptura institucional neste momento. É sabido que o ex-presidente teve várias reuniões com o ACFA após o segundo turno das eleições, e saiu de todas elas irritado. Segunda, que os acampamentos nas portas dos quartéis, por todo o País, eram uma medida da orientação do ACFA. Inclusive, a família do general da reserva e ex-comandante do Exército Eduardo Villas-Boas estava na organização do acampamento em frente do Quartel General do Exército na capital federal, o qual foi visitado pelo mesmo general. Por essa razão houve a defesa aberta, por parte de generais, de que os acampamentos seriam uma “manifestação democrática” e “direito da liberdade de expressão”.
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Os acampamentos foram a forma escolhida pelo ACFA, manipulando os bolsonaristas e utilizando-os como bucha de canhão, para promover uma “baderna” e deixar claro ao novo governo o que pode fazer, e que os militares são, de fato, o “Poder Moderador”. Não foi por outra razão que em plena intervenção federal na área de segurança pública do Distrito Federal, em meio a investigações e interrogatórios dos manifestantes, e do decreto de prisão de Anderson Torres, o presidente da república Luiz Inácio afirmou, em um café da manhã com a imprensa, que “as Forças Armadas não são o Poder Moderador que pensam que são”. Só que os participantes do assalto às sedes dos “Três Poderes”, principalmente seus organizadores, ante o isolamento e silêncio de Bolsonaro, estavam crentes de que ao levar a termo a tomada das daquelas sedes, ato seguinte seria a intervenção militar e isto circulava naqueles dias nas “redes sociais” entre diversos bolsonaristas.
Por sua vez, o governo do oportunismo deve uma explicação à Nação, do porquê deixaram tão desguarnecidas de proteção estas sedes, particularmente o Palácio do Planalto; e porquê, depois de iniciada a marcha dos manifestantes em direção à Esplanada dos Ministérios e mesmo com as invasões, não acionou o chamado “Plano Escudo”*, sobre o qual o PT e seus acólitos estão carecas de saber. Já se sabe que o Gabinete de Segurança Institucional (GSI), chefiado pelo general Gonçalves Dias, foi informado pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin) sobre o risco de invasão às instalações. A instrução para reforçar a segurança não só foi solenemente ignorada pelo militar, como também, partiu do GSI a ordem, escrita, de dispensar 36 soldados do Batalhão da Guarda Presidencial (BGP) 20 horas antes do ataque dos “galinhas verdes”, deixando mobilizado um contingente ridículo e apenas portando fuzis com munições de guerra, e sem equipamentos anti-distúrbios como os empregados sempre contra as manifestações populares.
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Também veio a tona que o major comandante do BGP tentou ajudar a malta a fugir pela saída de emergência do Planalto, e chegou mesmo a discutir com os PMs. Não bastasse, há registro em vídeo do BGP apático enquanto os fascistas se acercavam do Planalto. Para completar o dia, naquela noite, a Polícia do Exército, em frente ao QG de Brasília, impediu a prisão de bolsonaristas acampados pela PM, bloqueando os os com o estacionamento de tanques de guerra.
Portanto, não se tratam de fatos isolados, nem de insubordinações individuais. O ACFA permitiu e concorreu, deliberada e planificadamente, para que ocorresse as invasões no dia 8, mobilizada por bolsonaristas, assim como a estimulou por meses, ativa e tacitamente, com gestos, pronunciamentos – questionando a lisura das eleições e defendendo a ofensiva da bolsonarada como manifestações democráticas – e, inclusive, com oferecimento das instalações militares e estrutura logística – de modo mais ou menos encoberto – para montagem dos acampamentos.
Esse movimento anticomunista de extrema-direita quer o golpe militar agora, mas só pode cumprir o papel de joguetes na mão dos generais. O que pretende o ACFA, usando tal movimento, em primeiro lugar, é deixar claro ao novo governo que não o desafie quanto ao papel de “Poder Moderador” e, em geral, ir acidentando o terreno político e institucional, para, se preciso, criar o tal “caos social” frente ao qual anunciam desde 2015 que intervirão. Enquanto estimulam ambiguamente a bolsonarada – ou explicitamente, no caso dos generais da reserva, em especial Villas-Bôas –, o ACFA vai costurando a seguinte mensagem na opinião pública: “eis no que dá a eleição de um corrupto de esquerda, num processo em que não atestamos a lisura, cuja corte eleitoral (TSE) tomou o protagonismo no País, desequilibrando a independência dos três Poderes, lançando a sociedade brasileira no caos e desordem; por isso a sociedade pede intervenção militar e nós somos os garantidores dos poderes instituídos”. É isso o que está costurando o ACFA. Objetivamente, Bolsonaro e os “galinhas verdes” são bucha de canhão no plano do ACFA, essa é a verdade. Neste sentido, a segunda bolsonarada – do dia 8 – foi apenas um aviso.
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Por quê? Porque o ACFA, que é a coluna vertebral dessa velha ordem, sabe que terá que atuar como corpo inteiro, uma vez que a velha ordem não pode se sustentar. O capitalismo burocrático e seu velho Estado estão seriamente ameaçados por uma situação revolucionária em desenvolvimento por saltos. Os de cima não se entendem, os de baixo não aceitam mais a dominação como antes e, em que pese que a menor parte destes ainda se iluda com a farsa eleitoral, a parcela mais consciente e organizada prepara a revolução. ados oito anos de tentativas, ameaçados pelo perigo de subversão, os generais – com sua ofensiva contrarrevolucionária preventiva cheia de tropeços – estão já convictos de que não será possível cumprir as três tarefas reacionárias com o atual sistema político agonizante. Quais sejam as três tarefas: 1ª, retirar o país da crise e impulsionar o capitalismo burocrático; 2ª, centralizar o Poder político no Executivo, principalmente nos centros de inteligência militares, e restrição das leis penais; e 3ª, incremento da repressão para conjurar o perigo de revolução ou esmagá-la em seus inícios. A situação caminha para o seu desenlace.
Para o povo a questão é de como resistir a essa ofensiva contrarrevolucionária preventiva de forma a derrotá-la e avançar a luta por seus direitos e aspirações.
Em primeiro lugar, o fato de o ocorrido em Brasília não ter produzido nada além do que uma neutralidade de antipatia nas massas básicas pela forma como este aconteceu é sinal de que a defesa dessas instituições, que há 30 anos massacram e iludem as massas, não é capaz de mobilizá-las em defesa das liberdades democráticas e contra o golpismo. Persistir nessa linha é entregar as massas aos fascistas.
Em segundo lugar, o governo de turno da coalizão reacionária – em que pese a bravata de Luiz Inácio sobre os militares – está construindo seu castelo na areia movediça, pois pensa que as leis e o apoio político-institucional, por si sós, podem parar a marcha ao golpismo. Está subestimando perigosamente a situação do País e do mundo. O presente século não é o século da “democracia” e da “paz institucional” tão cacarejadas pela direita e o oportunismo; estando na época da decomposição mais avançada e sem precedentes do imperialismo, este é e será precisamente o século da reação fascista e restrição de liberdades em toda a linha, porque se abriu um novo período de revoluções da história mundial e, por mais que radicalize o fascismo, o movimento revolucionário crescerá em todo o mundo, e nada poderá deter seu irrompimento e crescimento. O Brasil inevitavelmente será um de seus principais palcos de tormenta.
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Nessa ilusão constitucional, o novo governo crê que uniu forças políticas e instituições, e poderá agora partir para a ofensiva e “submeter o poder militar”. Na realidade, o novo governo está mais fraco do que nunca e se encontra encurralado, porque não dispõe de forças materiais fiáveis, pois não as construiu em anos de colaboração de classes; e se radicalizar os movimentos sociais cooptados, isso será usado pelo ACFA para criar terreno ainda mais favorável para se lançar ao culminar do golpe.
Diante disso, não há outra saída: as massas só podem garantir seus interesses básicos – os direitos laborais, previdenciários, serviços públicos e condições mínimas de sobrevivência – e os seus direitos e liberdades democráticos através da luta revolucionária, isto é, por construir o Poder Popular, o a o e em meio aos combates mais sérios da luta de classes, que tudo mostra ter tomado a via incontornável da violência política. Isso demanda uma direção consequente, e não de empedernidos oportunistas e burocratas social-democratas de boca, que devem ser desmascarados frente as massas. A ordem do dia é: combater a ofensiva contrarrevolucionária golpista, romper ilusões constitucionais e hastear a bandeira da revolução de nova democracia em cada luta do povo.
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Foto de destaque: O ACFA permitiu e concorreu, deliberada e planificadamente, para que ocorresse a bolsonarada. Foto: Reprodução
Nota:
* Plano Escudo: em artigo no jornal Estado de São Paulo, o jornalista Marcelo Godoy informa que este é o protocolo da segurança presidencial em caso de ameaça à área da Praça dos Três Poderes; cabe ao Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República acioná-lo.