Um grande mistério da história da América do Sul acaba de ser provavelmente resolvido: o local catarinense onde morou, com os índios guaranis, o verdadeiro descobridor do império dos incas: Aleixo Garcia, membro de uma frota espanhola, que sobreviveu a um naufrágio (Florianópolis) em 1516, na hoje chamada Ponta dos Naufragados, no extremo sul da ilha-capital de SC. 20c3f
Aleixo foi o primeiro homem branco a encontrar o império inca no Alto Peru, percorrendo o milenar e indígena Caminho do Peabiru.
A descoberta do registro de 4 sítios arqueológicos num certo ponto da Baixada do Maciambu (em Palhoça, em frente à Ilha de Florianópolis), cujos vestígios indicaram a presença de um amplo aldeamento guarani no local, foi feita pelos pesquisadores Rosana Bond (de Fpólis) e Fábio Krawulski Nunes (de Jaraguá do Sul).
Ambos estudiosos notaram que os 4 sítios poderiam ter sido originalmente unidos, devido à pequena distância entre um e outro. Sua observação e descoberta ocorreram durante os estudos preliminares para a filmagem de um documentário sobre o Caminho do Peabiru, que foi parcialmente realizada em SC em novembro deste 2024.
Hipótese rejeitada? Fala a Arqueologia 4a2je
Diversos manuscritos dos anos 1500 citaram a existência da aldeia, mas até agora seu local não era conhecido. Nos dias atuais o comentário era que ficava na Baixada do Maciambu, porém genericamente, sem maior precisão dentro de uma área bem extensa.
Mas afinal, Aleixo e os demais náufragos da expedição espanhola de Solís viveram mesmo neste lugar? Ou não?
O que falam arqueólogos catarinenses e o MArquE (Museu de Arqueologia e Etnologia da UFSC) sobre tal hipótese?
Na UFSC, a arqueóloga Luciane Scherer e seu colega Bruno L. R. da Silva não negam a hipótese. Porém dizem que ainda faltam estudos adicionais. “Sim, é possível que estes sítios, unidos, constituíssem uma grande aldeia guarani e que ali tenham vivido os náufragos, porém por enquanto não podemos dar uma resposta definitiva porque são necessárias pesquisas que venham complementar os dados.”
Adicionou Luciane: “Não houve um trabalho de escavação e pesquisa sistemática. Mas, poderia sim, ser um grande sítio Guarani. Infelizmente, a BR-101, desde a sua primeira construção, já deve ter impactado muito o sítio (Maciambu 1), bem como outras construções, moradias (da grande aldeia). Então, pelos dados arqueológicos deste salvamento, não podemos afirmar que o sítio seria o local onde Garcia e os náufragos de Solís foram recebidos.”
Uma “datação” que coincide 262n10
O também respeitado Marco Aurélio Nadal De Masi, diretor da De Masi Arqueologia, concordou com a resposta: “Penso na mesma linha que os colegas da UFSC. A hipótese é plausível e possível sim, mas a certeza só virá com maiores pesquisas.”
Mesmo assim ele apresentou um informe inédito e auspicioso sobre a época de “funcionamento” do sítio Maciambu 1, escavado por ele durante o Projeto de Salvamento Arqueológico da Duplicação Sul da BR-101, em 2007.
O Maciambu 1 faz parte dos 4 sítios arqueológicos que teriam constituído o extenso aldeamento guarani antigo. O arqueólogo, embora não tenha conseguido realizar datação radiocarbônica do material encontrado, viu um conjunto de características que mostraram ser dos anos 1500, ou seja “época dos primeiros contatos entre os Guarani e os europeus”. Trata-se, portanto, de um fato importante para a confirmação da hipótese.
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Um dos historiadores atuais mais relevantes, no Brasil e América do Sul, para a compreensão de episódios envolvendo o povo guarani em SC é Clóvis Brighenti.
Hoje atuando na fronteira Brasil (Foz do Iguaçu) – Argentina-Paraguai como professor de História das Sociedades Indígenas da América Latina na UNILA (Universidade Federal da Integração Latino-Americana), Brighenti tem mestrado na USP em Integração da América Latina e doutorado na UFSC em História Cultural. Ele desenvolve estudos junto a vários povos indígenas do Brasil e outros países do continente e já atuou no MEC como membro da Comissão Nacional de Educação Escolar Indígena.
Sem opor nenhuma dúvida, ele aceitou a hipótese do achado da provável morada de Aleixo Garcia e enalteceu o trabalho dos 2 estudiosos catarinenses.
São novas informações que elucidam 466349
Brighenti afirmou que: “A descoberta do registro de 4 sítios arqueológicos na Baixada do Maciambu (Palhoça-SC) pelos pesquisadores Rosana Bond (de Fpólis) e Fábio Krawulski Nunes (de Jaraguá do Sul), conforme noticiou A Nova Democracia, confirma aquilo que os Guarani sempre falaram, que a região da baixada do Massiambu é território Guarani.”
Para ele, os elementos arqueológicos e históricos são importantes porque trazem conteúdo comprobatório “da presença Guarani, exigido pela cientificidade ocidental, mas para essas populações não têm necessidade de documentação, porque a própria memória é a comprovação.”
“De todo modo, os estudos vêm elucidar e trazer à luz novas informações, novos dados da presença da população indígena no continente e da violência histórica imposta a esses povos” que se perpetua até hoje, “com negações e omissões. Parabéns a Bond e Nunes por trazer ao conhecimento da sociedade importantes informações históricas.”
A palavra dos índios 4m5d12
Em 2004, num depoimento à pesquisadora Rosana Bond, o então cacique do Morro dos Cavalos, Leonardo Werá Tupã, contou que Aleixo Garcia e os os demais náufragos foram encontrados na praia por 2 guerreiros guaranis que tinham ido pescar e que a aldeia do Maciambu, onde ficaram morando, “era mais ou menos grande” embora “em que lugar exato a gente não lembre mais”.
Disse que a história daqueles tempos foi guardada pelos “antigos, pelos nossos velhos, e a repetimos.”
Um ritual em 2019 3ps2l
A líder Eunice Kerexu também afirma que a memória guarani sobre o Maciambu é forte e presente. Em setembro de 2019, por exemplo, os índios ficaram chocados com os incêndios criminosos que o governo estadual deixou ocorrer no Parque do Tabuleiro (PEST), que inclui a área da ex grande aldeia. Além de divulgarem notas denunciando o crime (pessoas não-índias) e o descuido governamental, os guaranis doaram plantas para ajudar o reflorestamento do lugar.
E, mostrando que até hoje tratam com carinho e reverência aquele ponto onde seus anteados viveram com os europeus que salvaram do mar, dormiram uma noite ao ar livre dentro do Parque, fazendo um ritual/cerimônia, conforme Eunice, “de pedido de cura desta terra machucada pelo fogo.”
Sobraram uma carta e uma lista de compras 5q204v
Dentre os vários manuscritos do século XVI que citam direta ou indiretamente a existência da grande aldeia guarani que acolheu Aleixo e os náufragos, destacam-se 2 deles, por serem curiosos.
Trata-se de uma carta e uma lista de compras. A carta foi redigida por um marinheiro a seu pai, onde narra coisas fabulosas que sucederam no Maciambu, inclusive vinculadas a ouro e prata.
A lista de compras foi escrita por ninguém menos que um dos próprios náufragos do grupo de Aleixo Garcia, que viveu junto com ele e os índios na grande aldeia.
Mas afinal que papeis são estes e onde estão? São verdadeiros? Que outras aventuras e peripécias viveram seus autores?
Saiba da resposta em breve, na Parte 3 desta reportagem.