Nikola Vaptsarov (1909-1942) foi um comunista búlgaro, maquinista e poeta; fuzilado em 1942 por sua atividade na resistência partizan contra o governo pró-nazista de Boris III. Poema adaptado da tradução de Peter Tempest. 1yq3q
Agarrados ferozmente estamos
Você e eu, de mãos cerradas,
de meu coração o sangue respinga
e você enfraquece. E então?
Um de nós será derrubado,
um de nós será abatido –
e este será você.
Então duvidas? Não temes?
Mas eu estive planejando cada movimento.
Estou pondo tudo de mim nesta luta,
e serás derrotada –
degenerada, peçonhenta vida.
Não é agora que isto inicia, você sabe.
Nosso duelo começou há muito.
Nosso duelo temos travado com paixão
por muitos, muitos dias.
Por dias nós cerramos
nossos braços e pulsos.
Eu nunca me esquecerei
de seu punho brutal.
Na mina o gás explodiu.
E as camadas de carvão
enterraram
quinze homens sob elas.
Enterraram
quinze
corpos
humanos.
Um deles
era
Eu.
Às portas de uma favela
jaz
uma fumegante
arma,
enquanto o cadáver lentamente congela.
Nenhum grito,
nenhum ruído,
uma bala
que logo virará lixo.
É fácil assim…
Sem revide.
Sem um impulso pela vida,
e sem rebuliço.
Não recordas
quem era?
Este
era
Eu.
No pavimento regado de chuva
jaz a vítima
abatida numa emboscada.
O céu, carregado de explosivos
irá se espatifar
na praça.
Mas o homem
que ali jaz
na poça de sangue
é meu irmão –
um fogo
de ódio e amor
em seu olhar vítreo arde.
O vilão,
o repugnante
pistoleiro
instantemente
sumiu de nossas vistas.
Não recordas quem era?
Este
era
Eu.
Mas tu te lembras de uma criança que morreu
em Paris, na barricada
uma criança
que morreu em batalha
contra a sanguinária
reação?
O sangue quente em suas veias
lentamente tornou-se
frio feito o aço,
e então seus lábios partiram-se
num sorriso fugaz.
Mas ainda que seus lábios
se tingissem de azul,
seus olhos
ainda ardiam em zelo
como se cantassem:
“Liberté chérie!”*
A criança
ali estendida
fuzilada –
na fria rigidez da morte.
Não recordas
quem era?
Este era eu!
Tu te lembras
de um motor
com alegre
otimismo
perfurando
a neblina
onde mesmo os pássaros
não ousam
descer
por através do ar pesado?
Um motor alado
que fende
a gélida cortina
e muda a órbita da terra,
com a explosão da gasolina evaporada
limpando o caminho para o progresso.
O motor que canta lá acima
é labor de minhas mãos,
e a canção do motor
é o sangue de meu coração.
O homem cujos olhos astutos
fixados estavam
ao como vacilante,
o homem
que ousou desafiar
a geada fria do norte
e a neblina –
não recordas
quem era?
Este era
eu.
E eu estou aqui
e ali.
Eu estou em todos os cantos. –
Um operário no Texas
um estivador argelino,
ou poeta…
Em todos os cantos estou!
Você pensa, vida,
que vencerás?
Cruel, carrancuda
suja vida!
Eu
ardo,
você arde,
e ambos estamos
banhados em suor.
Mas suas forças se esgotam.
Enfraqueces,
decais.
Por isto que tu tão ferozmente
me perfura com teu ferrão,
aterrorizada pela morte iminente
talvez…
Porque então,
em seu lugar,
com labuta e suor
nós construiremos
juntos
a vida
que desejamos,
a vida da qual precisamos,
e quão preciosa
esta vida será!
Nota:
* “Liberdade querida”: trecho da Marselhesa, hino da tradição republicana sa, entoada neste país pelos revolucionários à época da Comuna de Paris.