10 anos depois: um futuro ainda aberto (2ª parte) t1z1m

Protesto durante as Jornadas de 2013 na Câmara de Vereadores, RJ. Foto: Reprodução

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Leia aqui a primeira parte do artigo: 10 anos depois: um futuro ainda aberto (1ª parte) 6n4lm


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A exigência de bons serviços públicos universais e gratuitos – ou, quanto aos transportes, ao menos baratos –  estará sempre à frente e à esquerda de sua mercantilização explícita ou disfarçada, fábrica de fortunas para empresários do ensino, da saúde, do transporte, da construção, e também para políticos e burocratas a quem eles ream parcela do dinheiro que recebem do Estado para prestar à população serviços péssimos.

Não era a corriqueira corrupção baseada em comissões sobre o que de todo modo seria feito, ou na escolha dos executores a dedo para aumentá-las: era a própria definição de políticas com base em seu potencial de gerar dinheiro para os aparatos e seus membros. Só assim se compreende a expansão (absoluta e relativa) da matrícula universitária privada paga pelo erário em detrimento da universalização do o ao ensino superior público, que custaria o mesmo aos cofres do Estado. Ou a obstinação em realizar obras como Belo Monte, de alto ônus político e social, e cujo resultado não satisfaz o objetivo declarado, que poderia ser atingidos de outras e menos danosas maneiras.

Esse pacto cleptocrático sustentou os governo petistas de e incluía também a oposição eleitoral de direita, também destinatária de polpudos nacos de dinheiro. Se as investigações da última década sobre desfalques à Petrobras, Furnas, Correios, fundos de pensão, etc. trouxeram alguma surpresa, não foi que PT, PSDB e PMDB roubavam (algo já por todos sabido), mas que o faziam em conjunto, compondo os mesmos esquemas e valendo-se dos mesmos “operadores”. Com Temer e Bolsonaro, esse acordo se mantém, mas as participações acionárias se invertem.

Assim se compreende, em parte, a violenta e monolítica reação de todas as esferas de governo, à época, ante aqueles protestos.

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Há outra parte, tão ou mais importante. A utilidade do PT para os fatores de poder que comandam o país (imperialismo, latifúndio, burguesia burocrática) está na capacidade de desmobilizar o povo por meio da combinação entre promessas vãs, medidas minimamente atenuadoras da miséria e controle de aparatos como o sindical, o estudantil e, ao mesmo tempo, os do clientelismo estatal. Foi isso que lhe permitiu ascender, sem sobressaltos nem resistências, da oposição consentida (onde já cumpria, em menor extensão, tal papel) à gestão do Estado, em 2002-3.

Enquanto puder realizar tal função, um governo do PT é conveniente ou, ao menos, palatável para esses setores. Se perde tal capacidade, deixa de sê-lo porque seu aparato burocrático é maior, mais voraz e, por isso mesmo, tem mais peso orçamentário que o de qualquer outro partido.

No exato momento em que esse aparato se inebriava da sensação de poder e começava a irritar o poder real devido à desmesura de seu apetite, irromperam estudantes e trabalhadores para mostrar o que, como no conto de Andersen, era óbvio, mas só podia ser dito por alguém livre de compromissos espúrios: o rei estava nu. E aos olhos de todos: ao mesmo tempo em que ficava claro para as elites que o PT não podia mais segurar as ruas, ficava claro para as ruas que ele nada mais tinha a lhes oferecer senão balas e bombas lacrimogêneas.

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Não só reivindicações sobre serviços públicos evidenciaram essa nudez. Simultaneamente, ganhava corpo a maior onda de greves dos últimos 30 anos – demonstração cabal de como se posicionava, naquele momento, a população trabalhadora, e refutação do mito petista de que só protestava uma classe média de direita e/ou de ultraesquerda. Além de enfrentar os patrões e o governo, os trabalhadores avançavam contra as burocracias sindicais da CUT, Força Sindical e UGT.

Tais greves excediam em muito o funcionalismo e a aristocracia operária, tendo em sua vanguarda trabalhadores da base da pirâmide, como os operários de diversas obras do PAC e os garis do Rio[1].

Em Porto Alegre, a aguerrida greve dos rodoviários envolvia, além da questão salarial, o valor da tarifa, as condições de ônibus e terminais para a categoria e os ageiros. Antes, já haviam conseguido a reintegração de uma cobradora demitida por denunciar seu mau estado. Os rodoviários avam a questionar o sistema do qual eram peças – algo qualitativamente distinto e superior à luta por salários, por justa que esta seja. Grevistas e manifestantes confraternizavam, apoiando-se mutuamente[2].

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Não podendo mais conter o povo, o PT quis demonstrar à tríade dominante que era capaz de assegurar de outra forma a ordem que ela exigia: sendo totalmente inflexível ante as demandas dele e reprimindo-o impiedosamente. Esta é a razão de condutas que não faziam sentido à luz nem de inexistentes princípios, nem da busca de dividendos político-eleitorais.

Sob essa última ótica, o lógico seria atender as reivindicações. Senão todas, pelo menos as relacionadas ao transporte: fonte de sofrimento diário e indisfarçável para a grande maioria dos trabalhadores e de suas famílias, estopim dos protestos e âmbito no qual – ao contrário, por exemplo, da educação – seria possível melhorar e baratear o serviço mantendo os esquemas de corrupção, como ocorre em tantos países. Para tanto, bastaria aumentar os subsídios.

Atendê-las parcialmente. Buscando dividir as massas e cooptar parte delas. Conjugando as concessões com algum nível de repressão. Apelando à retórica de condenar as ações mais radicalizadas e a brutalidade policial, alçando-se como árbitro sereno dessa falsa simetria. Esse é o amplo repertório de governos reformistas ou de demagogos razoavelmente hábeis, ante situações do tipo. O PT, obviamente, o conhece; mas não o utilizou.

Em vez de sequer lavar as mãos, deixando a repressão para a esfera de governo à qual cabe istrar a polícia (o governo estadual), tanto o então prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, quanto – em representação do governo de Dilma V. Roussef, com quem só romperia quase 3 anos depois – o então vice-presidente, Michel Temer, fizeram-se fotografar ao lado do então governador pelo PSDB, Geraldo Alckmin, defendendo o aumento das agens e condenando os protestos[3] sem dizer uma palavra sobre a demencial repressão executada pela PM, ou seja, endossando-a.

Ainda em 2013, o governo federal tomou para si a coordenação da tarefa repressiva, cada vez mais militarizada. Os protestos em cidades que eram sedes da Copa das Confederações foram reprimidos pela Força Nacional de Segurança Pública, que, longe de apenas resguardar os estádios, ocupou, por exemplo, o centro de Belo Horizonte. Pouco depois, foi usada, junto com tropas do Exército, para reprimir, em todo o país, protestos contra o leilão do campo petrolífero de Libra, um dos mais importantes do pré-sal[4].


Esse texto reflete a opinião do autor.

Notas:

1- /materias-impressas/garis-derrotam-prefeitura-do-rio/ e /materias-impressas/garis-mostram-o-caminho-da-luta-combativa/ 

2- /materias-impressas/povo-na-rua-barra-aumento-da-agem/ e /materias-impressas/rodoviarios-atropelam-o-velho-estado/ 

3- https://m.folha.uol.com.br/cotidiano/2013/06/1293748-em-paris-alckmin-haddad-e-temer-criticam-destruicao-durante-protesto.shtml

4- /materias-impressas/libra-cereja-no-bolo-do-entreguismo-petista/

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